George Gomes CoutinhoNeste 11 de abril de 2009 o blog “Outros Campos” completa um ano de seu lançamento. O marco é o seu manifesto de fundação, onde, profundamente influenciados pelos ventos da operação “Telhado de Vidro” de 11 de março de 2008, acreditávamos que se desenharia aí para Campos dos Goytacazes um “outro tempo”. Decerto o desenrolar dos fatos ainda não produziu um cenário diametralmente diverso para a cidade, a despeito da conseqüente euforia cívica decorrente do sentimento de ruptura da sensação de impunidade entre a camarilha do poder local. Mas, há alguns potenciais importantes explorados de maneira insuficiente. Dentre estes o da revitalização da esfera pública local que, ao meu ver, permanece inconclusa.
Pensei que como forma de agradecimento aos que lêem o nosso blog e nos incentivam, inclusive não somente os campistas dado que há leitores de diversos pontos do Brasil e alhures, eu poderia apresentar algumas impressões que me incomodam sobre a relação “esfera pública” e os blogs.
Há uma relativa ansiedade sobre este fenômeno, a proliferação em larga escala dos blogs e a politização dos debates, o que poderá gerar futuramente pesquisas “iluminíferas” como diria o saudoso e exótico Darcy Ribeiro. Neste momento não poderia me dedicar exaustivamente ao tema. Mas, de maneira “ensaística” decidi partilhar estas reflexões primárias influenciado seletivamente pelas ponderações do texto “Why the net is not a public sphere”, de Jodi Dean*, publicado na revista Constellations de 2003. É igualmente um texto não conclusivo, dado que lida com a internet, um fenômeno historicamente muito recente. Também não tem por objeto os “blogs”. Mas, nos servirá como ponto de partida visto a aridez persistente quanto ao tema.
Uma das primeiras coisas que devemos ter em mente quanto aos “blogs” é sua dubiedade (algo que entrecorta a internet segundo Dean): tanto é meramente o reflexo de uma sociedade radicalmente individualista, que se recusa a ter relações “reais”, quanto também possibilita a democratização de informação sob um viés interativo. De maneira aterradora as duas facetas parecem conviver e se retroalimentar. Se pensarmos no caso dos blogs, particularmente, veremos demonstrações narcísicas de toda ordem, com elementos do mais puro fascismo ou demonstrações de ódio e ameaças aos agrupamentos que se rebelam contra o establishment (ou o anti-establishment igualmente vociferando de maneira viril contra o status quo). N
o outro lado da moeda os blogs informam as “outras versões” dos fatos, rompem o cerco do oligopólio das informações em âmbito local e até mesmo nacional ou internacional. Este último ponto explica parcialmente o crescimento quantitativo dos blogs em Campos, visto que havia inegável discrepância entre o que se discutia em determinados momentos no espaço público e o que a midia tradicional de fato divulgava. Com esta esquizofrenia informacional os blogs apresentaram-se como válvula de escape destes anseios e destas informações alijadas . E é neste sentido contra-hegemônico que os blogs conquistam sua legitimidade, ao propagarem leituras de realidade que até então eram solenemente ignoradas.
De toda forma, como deve ter ficado claro, os blogs são espaço de disputa de hegemonia em um sentido gramsciano atualizado. Os projetos de sociedade estão postos e em disputa e a diversidade dos blogs vai a reboque desta diversidade político-normativa.
Portanto não há essencialmente um uso progressista ou positivo dos blogs. Estes são ferramentas, são “meio”, para a circulação em caráter simbólico dos fundamentos políticos e normativos em disputa na sociedade. Portanto são “suporte”, não podem ser “essência” ou “substância” da ação coletiva. Caberia, enquanto pesquisa futura, discutir sob qual(is) ponto(s) do espectro político os blogs locais se encontram. Decerto teríamos um mapa onde veríamos quais elementos programáticos estão disponíveis. Entendam que até mesmo projetos personalistas de poder necessitam de algum tipo de programa. Mas, além disto, seria fundamental avaliar o seu fluxo de leitores. Ai teríamos a possibilidade de avaliar o impacto destes blogs. E temo que o resultado será menos “avant-garde” do que gostaríamos.
Dean argumenta que a “transparência” que a internet reivindica oculta que os atores interagindo em seus blogs estão em uma relação intrinsecamente assimétrica, o que explica a maior ou menor audiência destes "meios". Retomarei este ponto adiante.
Ainda, o autor em seu texto alerta sobre o volume de informações racistas, sexistas, e outros tantos istas, que circulam na grande rede. Possivelmente até mesmo superam uma utilização socialmente progressista da grande rede. Longe de termos algum parâmetro de circulação de informações voltada para a “esfera pública”, onde haveria o pressuposto da formação de consensos e uma prática com pretensões universalistas sobre a sociedade, temos o particularismo enquanto resposta predominante. Este último ponto é passível igualmente de ser constatado localmente.
Seja como for, o que não podemos autorizar é um uso homogêneo do termo “blogosfera”. Não existe uma “blogosfera” em um sentido harmônico com um projeto de sociedade compartilhado. Há uma “blogosfera” altamente fragmentada, em disputa, com níveis desiguais de exposição de seus conteúdos, e com impactos variáveis no espaço público propriamente dito. Evidentemente os blogs não estão dissociados da “vida real”. Há interesses, e os que se locupletam muitas vezes o fazem reproduzindo a hierarquia simbólica situada fora do espaço virtual. Hierarquia acadêmica, política, social, etc.. Os recursos e capitais dispostos de forma desigual, evidentemente, explicam a maior ou menor porosidade de blog “x” ou “y” em detrimento de “z”. Há blogs e blogs.
Para além do fetiche de uma “blogosfera” única, onde haveria supostamente o posicionamento desinteressado da proliferação livre de informações, sentido descartado como já discuti acima, há algo que me preocupa. A dissociação entre esfera pública “real” e a “blogosfera”. Este “gap” será objeto de minha atenção daqui por diante.
Ao depositarmos exclusivamente as nossas energias na “blogosfera” estamos rompendo o circuito potencialmente instaurado que levaria às modificações na “política real”. Reificamos aquilo que é mediação, meio, instrumento, o tornando em atividade “finalística”. Para que este circuito de reflexividade possa gerar os frutos ansiados é fundamental a atuação na vida real, com as interações face-a-face, onde de fato os consensos e conflitos decisivos são apresentados.
Visando ilustrar esse raciocínio proponho o seguinte esquema:
A = Redes construídas na esfera pública, atuação sistemática e programática no espaço público efetivamenteB = Os blogs, que reproduzem os influxos comunicativos das redes e agrupamentos em disputa em “A”
C = O leitor em sua esfera privada que avalia a produção de “B” que representa um posicionamento ante as disputas em “A”
D = A opinião política que constitui-se como reflexão da ação, efetuada pelo somatório de agentes privados, retornando para “A”Obs: As setas em azul exemplificam a conexão efetiva. A seta em branco representa aquilo que é ainda um potencial ou é frágil na contemporaneidade.Em forma de “circuito”, como reproduzi de maneira rudimentar acima, procurei explicitar o “gap” na passagem de “D” para “A”. Ou seja, reconhecidamente formamos opinião e incitamos ao debate. Estamos conectados com os projetos em disputa. Mas, as opiniões aí derivadas não se transformam automaticamente em ação política efetiva na esfera pública e tampouco causam repercussão imediata e obrigatória na ação dos atores e redes coletivas que a constituem.
Hoje há uma maior relação esfera pública e blogosfera, na medida que os blogs tem funcionado (parte destes) como instrumentos de controle democrático. Caso ilustrativo, dentre tantos outros, foi o papel desempenhado pelo “Eu penso que” de Ricardo André Vasconcelos onde foi detectada a permanência de uma empresa, denunciada como fantasma, na aproximação com o erário campista (ver
aqui). Outros blogs igualmente importantes, vide Roberto Moraes, "Atrolha", Urgente, Cleber Tinoco, dentre outros, justamente em sua postura “não alinhada” causam abalos relativos no tabuleiro do poder local. Outros, como o “Razão e Crítica”, partilham da elaboração de esforços interpretativos sobre a realidade. E sem dúvida todos auxiliam sobremaneira na busca por maior transparência e probidade no uso de recursos públicos.
Mas, ainda tem sido tímidos os rearranjos da política local “real” pela estrutura deste tipo de comunicação, mediada por computadores e usualmente construída na esfera privada. Os blogs podem sim fetichizar a ação ao se tornar objeto de atuação finalística. Possivelmente por isso vimos o caráter efêmero do “Chega de Palhaçada” ou mesmo temos a atuação dos blogs articulados com os movimentos sociais (vide o caso SEPE e eleições diretas para as escolas municipais) ainda configurando um momento raro.
De toda forma, se os membros da blogosfera quiserem dar um passo efetivo adiante, com o upgrade que mereça ser chamada de “blogosfera 2.0”, o debate precisa ser colocado em caráter crítico e não apologético. Os blogs são a possibilidade de gerar o frescor no debate por trazerem opiniões diversas do que se encontra na mídia tradicional, divulgando informações da mais alta qualidade. Em suma, podem ser ferramentas imprescindíveis no que Dean chama de “neodemocracias” na medida que socializam fatos e opiniões que até então era restritos a determinados círculos sociais. Mas, não substituem as interações face-a-face nos partidos, movimentos sociais, sindicatos, associações de moradores, etc.. Em suma: são incapazes de substituir as interações face-a-face, o real fundamento da ação na esfera pública.
* DEAN, Jodi. Why the net is not a public sphere. In: Constellations. Vol. 10, n.1, 2003, p.95-11
texto atualizado em 18:52, 11 de abril de 2009