terça-feira, 9 de setembro de 2008

Coligações e competição eleitoral

Há tempos prometi remeter aqui nesse espaço os achados da pesquisa sobre coligações eleitorais nos municípios brasileiros. O texto foi originalmente publicado e apresentado no congresso da ABCP (julho de 2008). Reproduzo, então, alguns fragmentos com modificações no vocabulário. O texto completo pode ser encontrado no site da ABCP (http://cienciapolitica.org.br/index.htm).

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Coligações Eleitorais nos Municípios brasileiros: uma análise quantitativa

As influências dos sistemas eleitorais nas configurações dos sistemas partidários são largamente aceitas e analisadas pela literatura especializada. Desde a década de 50, com a magistral obra de Duverger, a Ciência Política vem consagrando importantes trabalhos neste campo de investigação.

No Brasil, este assunto ganha as páginas dos jornais toda vez que vislumbramos uma possibilidade de haver modificações nas regras que regulam o sistema eleitoral; no final da década de 1980, com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte; com o Plebiscito de 1993; e agora, novamente, com as propostas de Reformas do novo Governo, o tema volta a ter atenção dos analistas.

Dentro dessa discussão, há uma particularidade do sistema eleitoral brasileiro que tem provocado descontentamento dos analistas, qual seja, as coligações eleitorais. Apesar de outros países – como Israel, Suíça, Dinamarca, Suécia, Holanda e Noruega, por exemplo – permitirem, ou já terem permitido, alguma forma de associação de partidos para concorrerem às eleições, as coligações permitidas pelo sistema eleitoral brasileiro são únicas, pois não há notícias de nenhum outro lugar no planeta em que os partidos coligados funcionem na prática como sendo um único partido. Isso quer dizer que não há uma distribuição proporcional de cadeiras entre os partidos coligados. Ou seja, as listas dos diferentes partidos coligados são unificadas sem nenhum critério de alocação de cadeiras de acordo com a proporção de contribuição de votos de cada um.

Muitas foram as propostas sugeridas pelos analistas políticos, algumas bastante ousadas e outras que beiraram a aventura. Exceto a verticalização das coligações e a retirada dos votos em branco do cálculo do cociente eleitoral, nenhuma modificação estrutural foi introduzida no sistema brasileiro pós-88.

Não obstante, quais são as estratégias de alianças eleitorais dos partidos nos municípios brasileiros? Que fatores estruturais podem afetar essas estratégias? Há algum padrão ideológico nas coligações?

As tabelas abaixo apresentam os parceiros preferenciais dos partidos nas coligações proporcionais. Aqui não se trata de investigar a coligação como unidade de análise, mas sim os parceiros preferenciais dos 12 principais partidos. A interpretação dos dados deve ser realizada da seguinte forma: (a) verificar sempre horizontalmente (nas linhas), e com devidos cuidados para não imaginar a somatória na última coluna.

Tabela 3

Principais parceiros nas coligações Proporcionais 2000


PFL

PP

PTB

PSDB

PL

PMDB

PPS

PDT

PV

PSB

PCdoB

PT

Total

PFL


28,3

20,9

26,4

14,4

22,4

10,4

12,1

1,5

6,4

1,3

2,7

100

PP

32,2

0,0

22,0

22,5

11,4

22,2

11,4

13,6

1,7

6,9

1,8

3,5

100

PTB

26,4

24,4

0,0

23,7

13,3

22,3

10,3

13,9

2,8

7,4

2,2

6,2

100

PSDB

28,5

21,3

20,2

0,0

11,1

25,1

13,7

12,8

2,8

9,1

2,9

9,5

100

PL

25,0

17,3

18,3

17,9

0,0

21,9

11,4

11,6

3,4

7,8

3,0

6,7

100

PMDB

21,8

18,9

17,1

22,6

12,2

0,0

14,0

15,5

2,1

8,4

3,2

14,4

100

PPS

16,9

16,1

13,2

20,6

10,6

23,3

0,0

16,5

4,3

14,0

6,9

18,2

100

PDT

17,8

17,5

16,2

17,4

9,8

23,4

15,0

0,0

3,5

12,7

6,4

20,8

100

PV

8,3

8,2

12,1

14,4

10,8

12,2

14,8

13,2

0,0

17,1

14,0

20,9

100

PSB

13,0

12,4

11,9

17,2

9,2

17,7

17,7

17,7

6,3

0,0

11,1

28,5

100

PCdoB

5,8

7,1

8,1

12,4

7,8

15,1

19,5

19,9

11,6

24,8

0,0

46,4

100

PT

4,6

5,3

8,4

15,1

6,5

25,3

19,2

24,2

6,4

23,8

17,3

0,0

100

Fonte: Dados calculados pelo autor com base nas informações disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Tabela 4

Principais parceiros nas coligações Proporcionais 2004


PFL

PP

PTB

PSDB

PL

PMDB

PPS

PDT

PV

PSB

PCdoB

PT

Total

PFL


23,9

21,5

25,9

21,1

20,6

15,8

15,3

6,5

9,5

2,8

8,6

100

PP

25,3


21,2

23,7

19,3

22,6

13,1

17,0

7,0

9,7

4,1

15,1

100

PTB

22,6

21,1


24,4

18,8

23,8

15,8

17,1

6,5

12,2

4,2

17,9

100

PSDB

26,7

23,1

24,0


18,1

22,2

14,4

16,5

7,4

10,1

3,2

14,0

100

PL

23,7

20,5

20,1

19,7


21,0

14,9

15,9

6,8

10,7

5,5

18,2

100

PMDB

19,4

20,0

21,3

20,3

17,6


15,6

17,2

6,8

9,9

5,2

22,9

100

PPS

20,6

16,2

19,7

18,2

17,4

21,6


17,8

8,3

13,3

7,5

23,2

100

PDT

18,6

19,6

19,8

19,5

17,4

22,3

16,7


7,8

13,9

6,9

21,2

100

PV

15,7

16,0

15,1

17,5

14,7

17,5

15,6

15,5


14,7

8,6

18,5

100

PSB

15,6

15,0

18,9

16,1

15,6

17,2

16,7

18,7

9,8


11,2

28,1

100

PCdoB

8,5

12,0

12,4

9,7

15,1

17,0

17,8

17,3

10,9

21,1


44,6

100

PT

9,2

15,3

18,2

14,6

17,4

26,1

19,0

18,6

8,1

18,4

15,5


100

Fonte: Dados calculados pelo autor com base nas informações disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

As análises dos parceiros preferenciais das coligações das eleições de 2000 e 2004 permitem observar como os partidos diversificaram seus parceiros. Os padrões de esquerda-esquerda, direita-direita e centro-centro não são tão claros como nas eleições de 2000.

O Partido dos Trabalhadores, já no comando da Presidência da República com Lula, muda completamente suas estratégias de coligações e tende a diluir suas preferências por partidos de todo o espectro ideológico. Exemplo claro desta tendência é a comparação dos percentuais de presença do PC do B (um partido tipicamente de esquerda e aliado histórico do PT) e do PP (partido de direita que compõe a coalizão do Governo Lula). Em 2000, enquanto o PC do B está presente em 17,3% das coligações celebradas pelo PT, o PP (então PPB) participou de apenas 5,3% daquelas. Já em 2004, ambos os partidos estão presentes em aproximadamente 15% das coligações realizadas pelo PT.

À primeira vista, poder-se-ia afirmar que o fato do PT ter se tornado governo e ter construído uma coalizão governista que conta com partidos de todo o espectro ideológico explicaria essa estratégia de diversificação das coligações no nível municipal. Não obstante, além de ter aumentado sobremaneira as coligações com partidos da base governista, o PT também participou de mais coligações com um dos seus principais opositores no congresso: o PFL (de 4,6% em 2000 para 9,2% em 2004).

Esse fenômeno não é verificado exclusivamente no PT, em maior ou menor grau pode ser estendido a todos os 11 partidos analisados. O que isso significa, então? O que pode explicar essa maior flexibilidade nas coligações em 2004? A observação dos parceiros das coligações por tamanho dos afirmar que está nos micro-municípios (até 20.000 habitantes) a maior concentração de coligações entre partidos de distintas matizes ideológicas. Dito de outra: quanto menor o município, maior a flexibilidade ideológica das coligações.

Os partidos por mais que tenham se nacionalizado não chegaram aos pequenos municípios com a mesma identificação ideológica, pelo menos não se manifestam desta forma no momento em que escolhem seus parceiros com os quais se coligam para concorrerem às eleições municipais.

Essa flexibilização pode ter mais a ver com questões do posicionamento estratégico (probabilidade de vencer a barreira do quociente eleitoral) do que com características dos pequenos municípios em si (em geral, eleitores com menos escolaridade, renda, etc.). Essa proposição foi testada com análises multivariadas no texto original, as regressões logísticas indicaram pouca ou nenhuma significância para o tamanho do município, mas forte e significativa para o tamanho dos partidos e competição eleitoral municipal.

Longe de ser uma novidade no sistema partidário brasileiro, a flexibilização ideológica pode apenas estar indicando a nacionalização dos partidos em ritmo intenso como fora proposta por Soares (1964) a respeito do período 1946-64. Para conseguir penetrar nos pequenos municípios, os novos partidos naquela localidade se vêem diante de um dilema: ou flexibilizam as estratégias nacionais de seus partidos ou correm o risco de não vencerem as barreiras do quociente eleitoral.

A tabela abaixo apresenta o número de municípios que os partidos concorreram nas eleições municipais de 1996, 2000 e 2004. Por conseguinte, a competição eleitoral nas eleições proporcionais aumentou sobremaneira.

Número de municípios que os partidos concorreram 1996, 2000 e 2004

Partidos

Proporcionais

Majoritárias

1996

2000

2004

1996

2000

2004

PMDB

5.003

5.241

5.161

2.997

2.838

2.485

PT

2.853

3.411

5.069

1.077

1.314

1.952

PFL

4.439

4.860

4.690

2.231

2.293

1.766

PSDB

4.229

4.536

4.651

2.186

2.073

1.924

PP

3.820

4.189

4.357

1.574

1.407

1.268

PTB

2.964

3.711

4.250

1.079

1.069

1.098

PL

2.361

2.530

4.013

687

601

1.040

PDT

3.217

3.080

3.682

1.219

902

859

PPS

820

2.620

3.411

162

627

894

PSB

1.399

2.010

2.689

490

481

621

PV

549

772

1.842

122

135

294

PC do B

599

780

1.354

51

28

105

Fonte: Dados brutos TSE

Isso significa dizer que a transferência não autorizada de votos de natureza lotérica torna-se para o eleitor do pequeno município uma conseqüência ainda mais nefasta, pois além de terem seus votos transferidos para outros candidatos de outros partidos, há ainda uma grande possibilidade que estes não pertençam aos partidos com ideologia próxima do partido de suas intenções primeiras.

O sistema de representação brasileiro, que combina a lista aberta com um tipo específico de coligação, pode estar a produzir o efeito perverso de não contabilizar uma grande parte dos votos, ou pior ainda, há uma enorme transferência de votos de um determinado candidato a outro sem a autorização prévia do eleitor.

Dois são os motivos chaves que podem explicar este fato: primeiro, as assertivas de Gláucio Ary Dillon Soares[1], sobre o mercado eleitoral nos pequenos municípios na República de 46, podem ser um dos fatores explicativos ainda na Nova República, ou melhor, as competições eleitorais nos pequenos municípios permanecem entre poucos partidos, impelindo os novos partidos a se coligarem com os que dominam a política local; segundo, as proposições defendidas por Jairo Marconi Nicolau, sobre a influência da Magnitude dos Distritos na competição, também corroboram para a compreensão do fenômeno, ou seja, como o número de cadeiras em jogo em cada município é proporcional ao tamanho do eleitorado, nos pequenos municípios há uma grande dificuldade de obtenção da primeira cadeira – já que são poucas em disputa – fazendo com que os pequenos partidos optem pela coligação. Vale a pena lembrar que uma proposição não contradiz a outra, pelo contrário, se complementam.

Há várias propostas para contornar os problemas decorrentes das coligações eleitorais no Brasil, algumas até aventureiras, mas até o momento não tivemos grandes alterações, exceto a verticalização nas eleições de 2002. Neste jogo de imobilismo vs. aventura, o primeiro parece estar vencendo.



[1] Soares (1964)


Um comentário:

George Gomes Coutinho disse...

Excelente análise Vitor...

De fato, antes de chegar no "meio" do seu texto já era possível vislumbrar a esquizofrenia do espectro ideológico justamente por conta deste "ecletismo" das coligações.

Em município muito próximo de nós, aqui no norte fluminense, temos São João da Barra que funciona de forma quase prototípica quanto ao que você organizou aqui com os dados.

Por fim vc coloca em relevo a figura do partido nanico "free rider" que como pequenos parasitas vão no embalo dos gigantes...

Se quer saber, dada a disposição de nosso congresso, "tudo o mais permanecerá constante"... Não tenho dúvidas de que a reforma política jamais será prioridade se não tivermos fortes mecanismos de pressão para mudarmos, então, as nefastas regras do jogo.