quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A POLÍTICA DE 4 ANOS

Fabrício Maciel

Atualmente, uma propaganda muito bem intencionada sobre a responsabilidade do eleitor em escolher seus representantes, tem sido veiculada a partir da idéia de que devemos pensar que quatro anos são muito tempo, e que podemos sofrer muito e nos arrepender caso não escolhamos corretamente. De fato, isso é verdade. Mas gostaria de analisar aqui um problema que me parece ficar obscuro nesta perspectiva, ainda que seja limitadamente crítica e conscientizante.

O ponto de partida implícito desta perspectiva é que a política deve ser compreendida como uma questão de mandatos, e que tudo pode mudar do nada de um mandato para o outro, ou então permanecer como está, mas a permanência é pensada em relação aos mandatos atuais. O que acontece aqui é um esquecimento sistemático da história da política, o que Bourdieu compreende, não só na esfera política, mas pensando a sociedade como um todo, como algo típico do senso comum. O senso comum é uma espécie de pensamento fragmentado, que apenas percebe a realidade social parcialmente, ressaltando alguns elementos mais evidentes do cotidiano coletivo.
Quando pensamos a política circunscrita datadamente no raio de quatro anos de duração, nos esquecemos que os problemas políticos de uma sociedade, apenas amenizados parcial e relativamente por um bom mandato, ou ampliados quantitativamente por um mandato ruim, não podem ser compreendidos neste curto período de tempo. Os problemas políticos de uma sociedade, que incluem a administração justa ou injusta de recursos escassos para o benefício ou não de todas as classes sociais, são desdobramentos concretos da história desta sociedade, seja ela nacional ou local.

Por exemplo, não podemos compreender a dificuldade de geração de empregos em uma cidade, algo grave em Campos, sem reconstruir analiticamente, voltando em sua história, a forma específica como as estruturas objetivas do capitalismo excludente se encontraram com um contexto social local marcado por um passado bem próximo, e não apenas temporalmente, mas na prática, de forte escravidão. Este encontro específico é nítido em uma massa de pessoas totalmente desqualificadas para qualquer emprego formal dos mais rasteiros no mercado de trabalho. Não é uma política de quatro anos que vai resolver isso, apesar desta poder, de fato, avançar em medidas inclusivas relativamente significativas, como a geração de cursos profissionalizantes nos bairros mais carentes, em instituições educativas que estejam próximas física e simbolicamente das classes sociais mais carentes.

No entanto, esta é uma medida liberal, um mal necessário, pois não questiona a lógica excludente do capitalismo que só admite a inclusão no mercado pela qualificação formal, mas pelo menos pode diminuir relativamente a exclusão e a miséria. Mas para o sociólogo isso nunca pode ser o suficiente. É preciso ficar claro que a política de quatro anos nunca mudará qualitativamente uma sociedade, pois não é assim que se faz a história. Esta é fruto de lutas contingentes entre interesses de classes sempre incompatíveis. Quem acredita ingenuamente na política de quatro anos, e aqui quero ausentar desta crítica as camadas mais carentes ausentes de oportunidade de qualquer aprendizado político, e sim direcionar a crítica para as classes médias que sempre esperam vantagens diretas da política de quatro anos, enfim, quem acredita nisso só pode mesmo estar agindo com uma mentalidade de quatro anos idade.

Nesta fase da infância, ainda somos ingênuos o suficiente para não perceber as relações de poder e os conflitos de interesse que marcam qualquer sociedade, e que para que se legitime a desigualdade recorrente disso, é preciso que sempre se esqueça a história da desigualdade, por trás do pensamento liberal que sempre zera a história, como se esta fosse uma mera seqüência de mandatos e recomeçasse a cada quatro anos. Pensando assim, podemos tentar sair da infância da política dos quatro anos, reconstruindo a história de uma sociedade política em sua totalidade, e não meramente na fragmentação dos mandatos.

8 comentários:

bill disse...

Sem falar, chará, que a mesma propaganda só aparece de 4 em 4 anos....

George Gomes Coutinho disse...

Bom soco no estômago... Há algo de uma acidez bourdieusiana por aí. O que não é nenhum demérito , claro!

E sem dúvida fico feliz de ver que este tipo de análise, e não só esta, só teria lugar de fato por aqui.

VP disse...

Fico a imaginar qual seria a campanha de um "TSE bourdieusiano"...

está aí um desafio, vamos lá, palpitem!

Abraços,

Vitor Peixoto

Fabrício Maciel disse...

Eu nao consigo imaginar nenhuma Vitor, pois como bourdiesiano simplesmente não consigo me imaginar trabalhando neste lugar, é simplesmente nonsense. O que me cabe é explicitar a incoerência lógica, como diria bourdieu, das instituições. Como diria Tom Zé, to te confundindo pra te esclarecer. Articular a incoerencia é isso.

Brand Arenari disse...

Muito bom texto Fabrício, parabéns. O que eu acho que deve ser ressaltado aqui como foco de nosso debate, o que vc de algum modo já pontuou, é a ilusão de que a esfera da política e a sociedade são entidades estanques, aos quais não tem contato (assim como pensamos erroneamente que sociedade e Estado são entidades completamente separadas). Ou que esse contato se dê apenas de quatro em quatro anos. Podemos pensar assim: ao acreditar erroneamente que o voto é a única forma de fazer política que o cidadão comum tem ao seu alcance, transformamos a o dia da eleição quase num cerimonial religioso em que mundos cindidos, (o espiritual e material no caso da religião e o mundo da política e do cotidiano no caso da política) podem se encontrar. Neste caso, a eleição ganha ares de um cerimonial religioso mágico. Devemos alongar esse debate, o do “fetichismo” do voto.
Vitor, eu acho que o problema que o texto levanta não é uma crítica ao TSE, e sim uma crítica aos nossos sociólogos e intérpretes de nossa sociedade. O TSE não tem a obrigação de ser crítico, ele só reflete a forma de pensar de nossa sociedade. Ele cumpre seu papel, me parece muito bem intencionada essa campanha, quem não cumpre o seu papel são nossos intelectuais.

VP disse...
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VP disse...
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Fabrício Maciel disse...

Pois é Brand, nunca tematizamos a ausencia e o porque da ausencia de um aprendizado politico democrático, quando ficamos limitados ao imaginário pragmático de resoluções que fazem parecer que a decisão na época da eleição resume toda a vida política. avancemos neste debate.