sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Desilusões de Nosso Tempo

Fabrício Maciel
Outro dia abri por acaso uma edição recente da Veja e vi algo um pouco surpreendente, mas nem tanto. Como não tenho acompanhado de perto as migrações intelectuais no período Lula, fiquei surpreso com um artigo de Demétrio Magnoli, nome que até onde me lembro era de um crítico, descendo o pau no governo Lula com direito a uma aparente sofisticação teórica que apenas escondia os argumentos liberais mais oportunistas e conservadores.
Me lembro de ter usado vários livros deste autor quando fui aluno e professor de pré-vestibular, em meus tempos de Uenf, dos quais meus queridos ex-professores Brand e Vitor devem se lembrar bem, assim como meus contemporâneos de graduação George e Roberto, que também viveram essa fase de professor de pre-vestibular, onde um doce marxismo, ainda que limitado e cheio de auto-enganos, ainda era melhor do que todo o resto que predomina no cinismo e na preguiça intelectual acadêmica: o relativismo, o reducionismo empírico e a pseudo-crítica liberal, como a de Demétrio, que na verdade andam de mãos dadas escondendo todos os conflitos sociais.
Bem, o Demétrio da crítica ao sistema mundial excludente da globalização agora tenta convencer sutilmente o público da Veja, representativo do pensamento conservador que prevalece no senso comum brasileiro, sobre o arcaísmo que a pessoa de Lula e seu governo significam para o Brasil.
Um ponto ridiculamente disfarçado em linguagem pseudo-acadêmica é bem velho e já foi bem discutido aqui no blog. Trata-se do cachorro morto do assistencialismo, onde Demétrio tenta atacar as medidas mais socialistas que este país presenciou nos últimos tempos como representativa do arcaísmo, como contrárias a um espírito de desenvolvimento e de progresso. O autor jamais assume a apologia à ideologia do mérito. No geral, o artigo tenta montar como a incompetência é a principal marca do governo, mesmo diante de dados sociais e de desenvolvimento concretos que o governo Lula apresenta.
Uma postura dessas só pode fazer parte do movimento de migração dos desiludidos de nosso tempo. Ou seja, se Lula não abusou da força física e simbólica do Estado e não implantou à força o socialismo, que se dane as pequenas mas significativas políticas práticas que se pode fazer, mesmo em tempos de Neoliberalismo e bla, bla, bla. O que importa e ficar putinho e mudar de lado. Ou então pior, mudar de lado e de discurso por conta dos privilégios que a mídia e o poder oferecem aos intelectuais em tempos de nebulosidade interpretativa nos quais torna-se cada vez mais difícil se apegar ou se manter apegado a ideais de outrora. Afinal, ser autor da Veja deve dar um gás na carreira.
Seguem comentados por mim alguns pontos da suposta crítica:
"No fim de seu segundo mandato, seremos ‘brancos’ ou ‘negros’ antes de sermos brasileiros. Eis aí a verdadeira mudança promovida pela era Lula: uma bomba social de efeito retardado que sua passagem pela Presidência deixa aos filhos e netos da atual geração". Ou seja, uma acusação de segregação racial.
"Antes de tudo, provou-se que diplomas acadêmicos não são adereços indispensáveis para governar. Os acertos e os erros de Lula decorrem de suas opções políticas, não das supostas virtudes ou das óbvias carências associadas a um nível baixo de instrução formal. O presidente não precisou de uma universidade para preencher a diretoria do Banco Central com um time de economistas que ostenta medalhas acadêmicas incontáveis – e concepções opostas às doutrinas econômicas petistas. Bastou-lhe o faro político privilegiado do conservador que, no fundo, nunca deixou de ser". Sutilmente se associa baixa instrução e conservadorismo.
"O salvacionismo abomina a história, apresentando-se como o início de tudo: a virtude que exclui o vício e escreve uma nova história num mármore intocado. A democracia enxerga a si mesma como um processo de mudanças incrementais. O líder salvacionista não enxerga nada de positivo antes de seu próprio advento". Tentando agredir a popularidade do presidente como se isso não fosse uma atitude de todo político.
"Lula não inventou o paralelo entre a nação e a família, que faz parte da longa linhagem do pensamento conservador de raiz autoritária. Mas, com a expansão do Bolsa Família, ele encontrou uma fórmula de modernização do assistencialismo tradicional". Acusação de patriarcalismo é maior marca do rótulo do atraso.
"Os estereótipos raciais clássicos, afundados na lagoa do senso comum, são um componente óbvio da rasa visão de mundo de Lula. Entretanto, o programa de racialização da sociedade brasileira conduzido por seu governo decorre de um frio cálculo político. O presidente quer conservar na sua ampla coalizão as ONGs racialistas, financiadas pela poderosa Fundação Ford". Medidas de diminuição de desigualdades de classe são covardemente acusadas de racismo, reproduzindo a incompetência, ignorância e má fé de intelectuais brasileiros que confundem raça e classe. A confusão é utilizada para sustentar o argumento liberal implícito, supostamente progressista e anti-atraso.

51 comentários:

Fabrício Maciel disse...

O artigo é "começa o outono de Lula", 7 de janeiro de 2009.

Unknown disse...

Nomes como Demétrio Magnoli, Ali Kamel e Claudio de Moura Castro são o exemplo clássico do que Pierre Bourdieu chamava de intelectuais que contribuem para a difusão do “racismo da inteligência”. Esses senhores (detentores de prestígio intelectual e autoridade universitária), atuando por meio de discursos de aparência científica, legitimam a discriminação baseada na idéia de inteligência (operador de distinção próprio da classe dominante que institui o que é cultura legitima). Para eles, ter cultura e inteligência é ser portador de qualidades “nobres” como o domínio da gramática, das letras e artes eruditas. Interessante observar a semelhança com o discurso mobilizado pela burguesia universitária alemã do séc. XVIII (ressentida com a sua exclusão nas decisões políticas da Alemanha) que fazia uso do termo “Kultur” para se diferenciar da aristocracia de Corte – fenômeno esse, estudado por Norbert Elias. Da mesma maneira, no Brasil, nossos “intelectuais” dão sua parcela de contribuição na produção de violência simbólica contra o presidente Lula, difundido estigmas e preconceitos arcaicos. Ótimo texto, Fabricio!

Roberto Torres disse...

O ressentimento de classe contra Lula, que se dirige aos pobres em geral, também está na raiz dos argumentos destes imbecis. O pragmatismo de Lula, em nada anti-intelectualista, o que se pode ver no ministério do Mangabeira, me parece uma fina intuicao de sua inteligencia nao cultivada em perceber que a reflexao academica no Brasil parou no tempo. Werceck Wiana, um sujeito muito crítico a Lula e de algum modo corporativo com essa intelectualiade morta que Lula sabiamente ignorou, nao peca ao reconhecer o grande desgraca de nossos "grandes sociólogos". Em recente entrevista ele define muito bem a onda abiminável do momento, na verdade de algumas duas ou tres décadas: o desinteresse pela vida dos pobres, a opcao por temas aristocráticos que implicam exatamente em abandonar a compreensao dos humilhados. Deveria ser motivo de espanto para todos nós o fato de a ralé brasileira jamais ser a questao fundamental da sociologia uspiana. Quando Jessé levanta esta questao, o que mais tem é gente para dizer que outros já tocaram no tema, já aludiram etc, como se tangenciar fosse deste sempre suficiente. Num páis cuja estrutura social é toda marcada pela existencia marcante da ralé, a ciencia social deveria há muito ter posto para si mesma a agenda de compreender esta questao como prioridade. Mas o fato é que nunca ouve continuidade em pensar esta questao. Imagino o desprezo que Lula deve ter por esses intelectuais que nao enxergam o contexto de vida de onde ele próprio veio. Por isso certamente ele nao deu idéia a ninguem mais depois de Florestan e Celso Furtado.

Paulo Sérgio Ribeiro disse...

Roberto, o ressentimento de classe é uma disposição que orienta a própria hierarquia das legitimidades no campo científico, sobretudo, no que diz respeito à escolha dos objetos de pesquisa. Assim o vejo quando digo o que estou pesquisando, os Cieps, a pessoas de dentro e de fora da academia. Um tema nada "aristocrático", certamente. Malgrado as especificidades dos programas dos Cieps e do Bolsa Família quanto aos seus objetivos e ao período de implantação, é notório como as críticas ao primeiro, feitas por alguns educadores oriundos da "intelectualidade acadêmica" e pelo partido O Globo, são próximas das críticas feitas hoje ao Bolsa Família. Algumas expressões são reiteradas: populismo, salvacionismo, assistencialismo etc. A questão não é desconsiderar a pertinência de determinadas críticas no que toca à análise das políticas públicas - a famosa tríade "efetividade", "eficácia" e "eficiência" -, mas reconhecer o quão rasteiro é essa retórica liberal que faz negar o óbvio: uma política social universalista não pode prescindir de políticas de focalização ante um quadro de desigualdades sociais extremadas como o brasileiro. Neste ponto, concordo com Fabrício e o Pescador, políticas distributivas neste país ultrapassam facilmente o teto de tolerância dos grupos e classes que monopolizam o saque aos fundos públicos.

Abraço.

Roberto Torres disse...

Com certeza Paulo. Dos 3 bolsistas além de mim que chegaram para doutorar em sociologia este ano aqui dois estudam world music, e uma veio para estudar a trajetória do conceito de amor na sociologia.

Paulo Sérgio Ribeiro disse...

Pois é Roberto...

bill disse...

Pessoal, vamos ter um pouco mais de calma com "nossos adversários". Nós não podemos alegar "imbecilidade" ou "discursos de aparência científica", afinal, se assim o for, como legitimaremos a nossa sanidade e o nosso próprio discurso? é bom que haja diferença, para que haja crítica às idéias. Não extrapolemos este âmbito.
Abraço.

Roberto Torres disse...

Bill, ok. Foi um artifício retórico para marcar posicao.Nossos adversários nao sao imbecis (alguns até sao). Mas seus discursos se alimentam da confusao cognitiva, da visao rasa. Usei imbecil pela raiva mesmo em ver um sujeito mobilizar o "racismo da inteligencia". Mas voce tem razao.. Isso nao pode ser um recurso recorrente. Mas as vezes....

Anônimo disse...

só para polemizar :

Achei esse página na net, com um comentário do Valério Arcary, que é doutor em Histótia e professor do cefet SP. Valério foi fundador do PT e saiu expulso, junto com a convergencia socialista que hj atua no PSTU.

http://www.brasildefato.com.br/v01/impresso/anteriores/jornal.2007-01-04.1091735316/editoria.2007-01-10.2413995334/materia.2007-01-10.9446617370

Unknown disse...

Considero pertinente, sim, situar como pseudo-científico o discurso de Demétrio Magnoli, pois o mesmo carece de uma "dupla ruptura epistemológica", necessária para a produção do conhecimento verdadeiramente científico. Magnoli, assim como Claudio de Moura Castro e Ali Kamel estão mais preocupados em legitimar estigmas e esteriótipos de classe do que propriamente problematizar acerca do mundo social. Fazer ciência social implica, acima de tudo, pôr em suspensão as próprias categorias de classificação do campo científico. Ora, esses senhores não colocam em questão nem mesmo as categorias do senso comum - príncipio durkheiminiano básico. Usam e abusam de expressões como ignorante, inculto, populista. Muito menos, o "senso comum-douto" (próprio do universo escolástico). O que diferencia seus discursos do mobilizado pelos leigos é só a forma (certamente a fala de Magnoli e Moura Castro é mais rica em adornos gramaticais e outros salamaleques linguisticos). Entretanto, isso não implica um atitude de reflexividade científica, uma vez que não há nenhuma preocupação em depuração semântica das idéias que circulam no mundo ordinario, este, permeado por formas diversas de violência simbólica. Sociologia é arte de resistir às palavras, principalmente, as legitimas ou do senso comum...

Unknown disse...

Até mesmo dois tucanos liberais como José Arthur Giannotti e Roberto Romano merecem mais respeito. Pelo menos esses dois operam com a razão escolástica (própria do campo filosófico). Os outros citados deixaram de fazer ciência a muito tempo, agora o negócio deles é acumular capital simbólico entre a elite paulista conservadora e os demais leitores da revista Veja. Eles viraram paradagmas de intelectuais de nomes como Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi. Sinceramente, não dá pra levar esse povo a sério!

Roberto Torres disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Roberto Torres disse...

Isso mesmo Kadu. Quem faz pelo menos a primeira ruptura,situando-se no campo escolástico da filosofia, ainda consegue manter um mínimo de altivez epistimológica. E talvez estes, com um choque constante de realismo sociólogico, sejam nossos adversários respeitáveis. Os outros, que nem prezam pela "pureza" do "pensamento", estes merecem ser escrachados. Nós temos direito a nossa dose justa de intolerancia. O cristianismo nao é um bom manual para viver o conflito como tal.

bill disse...

Olha, Este aqui é o ambiente para as indignações de vcs, não tenho dúvida. como a veja é o lugar deles fazerem o mesmo. O que estou dizendo é que há uma confusão dos espaços dos discursos. não os vejo na veja fazendo discurso para o campo científico, pelo contrário, ali eles fazem política, com as informações que tem. Como nós. alguém aqui acha que faz ciência ou que vai acumular este capital aqui? Vc acha que a veja é o lugar para alguém colocar em questão as categorias do senso comum? Por isso a crítica deve ser também política, respeitando a opinião do outro como legítima e lhe conceber o direito de falar. Se partimos de primeira da demência do outro, para que a discussão? Não entendo, Robertão, o cristianismo... o que tem a ver?
abraço.

Roberto Torres disse...

Bill, o cristianismo é de onde a gente aprende que o outro tem o direito de falar. A ética do discuro tem um componente de generosidade, ao pressupor que os agentes buscam o entendimento,ou seja, que eles nao partem de posicoes de má-fé (posicoes de má-fé, que pode até nao ser pessoal). Jamais a veja vai dar espaco para a busca do entendimento, a nao ser para reproduzir intocadas as pré-compreensoes do senso comum. Quando atuamos numa relacao sem a "ética do discurso" lidamos com uma fala que, antes de ser ouvida, preciza ser desmoralizada como fala legítima. E ai se trata de denunciar as afinidades de interesse com esta fala. Claro, xingar é infantilidade, mas ressaltar o direito de falar de quem manipula o silencio a seu favor e sem nenhum limite nao é uma boa alternativa.

bill disse...

Aí é vcs que escolherão quem deve ser esculachado ou não (segundo suas...). Caindo na lógica denunciadora que a sociologia se meteu após o Bourdieu. Fico com Boutanski. Este negócio de dizer que fulano esconde o que quer e cabe a sociologia denunciar é criar uma KGB sociológica. Nós desvelamos, eles velam. Ainda discordo da questão do cristianismo, acho que seu cristo é o Habermas, Robertão.
abraço.

Roberto Torres disse...

Anonimo, vi lá a página do Valério Arcary. Ele diz que o bolsa família é reacionário, neoliberal e consevador por que reforca a dependencia das classes pobres em relacao ao Estado e porque nao estimula a consciencia de classe para si. A primeira razao toma como um dado que tornar-se dependente do Estado é atraso. Já discutimos isso bastante neste post e no anterior. Eu diria que tornar-se dependente do Estado é única forma de mitigar uma total submissao ao mercado, sempre desvantajosa para a ralé, sobretudo para as fracoes desta classe mutilades em sua capacidade de ascender socialmente via trabalho. Defender políticas públicas universalistas, educacao e saúde de qualidade, sem considerar a necessidade de uma intervencao capaz de enfrentar o círculo perverso em que se encontra a ralé estrutural, nao vai resolver o problema. O estado de bem-estar, como imaginamos no modelo europeu, nao pode resolver o problema da ralé.

Sobre o fato de o Bolsa Família nao gerar consciencia de classe para si, digo duas coisas. Primeiro o uso desta idéia pressupoe uma missao revolucionária embuta na experiencia de uma classe que iguala o marxismo a uma religiao. Esta classe é de tal modo idealizada que passa-se a acreditar que existe no Brasil algo chamado classe trabalhadora, como algum dia houve na Europa. Nao há classe trabalhadora no Brasil. Segundo, a crítica do Valério parece relembrar uma intuicao tao perversa quanto simplista: a do quanto pior a vida, mas perto da revolucao. Como se o desespero fosse gerar consciencia de classe. Acho a polemica boa sim, porque o marxismo tradicional, incluindo o da quarta internacional por nao ter inovado na sociologia politica da luta de classes, tem muita coisa a ser aproveitada.

Roberto Torres disse...

Acho habermas uma boa opcao, quando precisamos pensar na possibilidiade de superar a estreiteza de posicoes particulares. Com certeza eu escolho quem acho que eu devo esculachar sim, com ou sem sociologia. Essa escolha a sentimos nos conflitos que viemos no dia a dia, onde também somos esculachados, basta estar atento a isso. Mas Bill, esse negócio de esculacho nao tem nada a ver com o desvelar sociológico. Essa coisa baixa que todos nós sentimos vontade de fazer na vida, e que fazemos as vezes de modo bem sutil e que só poucos podem perceber, acho que so cabe aos casos extremos. Ora meu caro, nem estou nem pensando no artigo que o Fabricio comentou. Mais o desvelar sociologico é outra coisa. Ela tem a ver com a razao científica, com a objetivacao das posicoes que intrepretam a realidade de modo a mostrar a relacao incosciente entre interesses e idéias. Concordo que isso nao pode cair no sectarismo. Mas abrir mao disso, ou seja, fingir que nao existem afinidades veladas ( para todos os envolvidos) entre visoes de mundo e reproducao de regimes de satisfacao de interesses em conflitos, afinidades que podem ser percebidas pela método sociólogico da dupla objetivacao, nao faz mesmo sentido para mim. O conflito incomoda, mas nao foi a sociologia de Bourdieu que inventou o conflito. Ele existe na realidade.

Unknown disse...

Oi Bill, concordo com você no que se refere a levar em consideração os espaços de mobilização dos discursos antes de cobrar cientificidade desses. Realmente, a revista Veja, assim como esse blog, constituem espaços próprios da esfera pública, e por isso, são permeados pelo debate político e subjetivo. Entretanto, esse fato não anula a responsabilidade do intelectual no que ele diz ou quer dizer. Isso porque todo e qualquer intelectual (principalmente, homens de ciência) se apresenta como portador de um discurso com pretensões de “objetividade” (pelo menos no sentido de manter razoavelmente sob controle suas crenças subjetivas). Aliás, é justamente essa crença no discurso desinteressado do intelectual, a fonte de sua autoridade. Crença essa compartilhada pelos intelectuais. Quando Roberto Damatta vai falar no programa do Faustão não está deixando claro aos seus interlocutores seu posicionamento de cidadão político: tipo, “olha, eu agora estou sendo o cidadão Damatta, tudo o que eu disser é mera reflexão subjetiva”. Ele se apresenta e compartilha sim com a condição de ser aquele portador do discurso especialista (autorizado) sobre algo. Da mesma forma quando Claudio de Moura Castro e Demétrio Magnoli assinam um artigo numa revista ou jornal (sempre assinam como “economista” ou “sociólogo”). As assinaturas são também marcas de distinção e prestígio dos intelectuais. Portanto, o que se cobra desses discursos ( e eu considero legitimo sim) é fazer valer de fato, no mínimo, o critério de objetividade, isto é, afastar preconceitos do senso comum, como todos procuram fazer aqui no blog. Ou pelo menos, que operem com argumentos lógicos ou factuais. Não procedendo dessa maneira, considero impostura intelectual.

Unknown disse...

Ainda Bill,

Conheço a crítica de Luc Boltanski (autor que, aliás, tenho grande respeito e afinidade teórica) dirigida às sociologias de cunho estruturais, como a de Pierre Bourdieu. Porém, discordando dele não acho que “policiamento sociológico” seja o principal problema na sociologia atual. Conforme critica Alan Sorkal, Pierre Bourdieu e Bernard Lahire, o que se ver com essa história de que os agentes são mais competentes para falar sobre si mesmos (pois seriam reflexivos) e do discurso de “respeito aos atores comuns” e suas culturas, é a difusão em massa nas ciências sociais do total desrespeito com o espírito verdadeiramente cientifico, que exige uma atitude realista e racionalista, não essas formas de obscurantismo como, por exemplo, o discurso pós-moderno (o que não é o caso de Boltanski).

Roberto,

Sobre o discurso do Valério Arcary, é aquela coisa, o cara ainda compartilha daquela visão teleológica do processo etapista de transformação da “consciência de classe” - de “classe em si” à “classe para si”. Para ele como demais marxistas estruturalistas apocalípticos, somente com o controle absoluto do capitalismo selvagem e consequente pauperização das massas trabalhadoras é possível ocorrer uma revolução socialista de fato, visto que só assim a classe trabalhadora criaria solidariedade e tomaria consciência da sua condição coletiva de classe dominada, tornado-se o sujeito histórico revolucionário que se espera. Nesse sentido, esse tipo de marxismo compartilha com o liberalismo econômico a visão de que é necessário um choque de capitalismo como etapa importante do desenvolvimento das forças produtivas. Como costumava provocar um professor meu: é a “destruição criativa” shumpteriana reinando hoje no pensamento ( à esquerda e à direita).

Fabrício Maciel disse...

Bill, eu assumo sempre o lugar político de onde estou falando, você parece sugerir que ao descermos o pau num cara como o Demétrio estamos pleiteando alguma neutralidade científica. Eu não estou fazendo isso, não acredito em ciencia sem ideologia, ainda que acredite no confronto sistemático das idéias sem achar que há pureza política nisso. Considero minha postura, bem como a de Roberto e Pescador quando concordamos como superior por acreditar que estamos defendendo argumentos e políticas mais socialistas e universalistas do que o liberalismo conservador de um Demétrio. Vamos simplificar as coisas gente, cada um que assuma logo o seu lado, sem mito de ciência neutra. o que nao significa que ciencia é senso comum, a verdadeira ciencia é inimiga do senso comum, tenta contraria-lo o tempo todo.

Unknown disse...

Eita, baixou o espírito de Karl Mannheim na cabeça do Frabrício, rsrsrs

bill disse...

Pessoal,

As posturas sociológicas de vcs são bem estruturadas, não tenho dúvidas. Porém partimos de pontos de vista diferentes. Concordo com a diferença em relação ao senso comum do Roberto, concordo com a distinção que a expertise imprime a que o pensador faz menção. Mas eu concordo com a teoria das formas de vida do Wittgenstein. Assim, Nós experimentamos o mundo por meio da linguagem e nós nos diferenciamos por meio de seu uso. é por isso que considero a ciência diferente do senso comum e da política, porque cada forma de vida vai especificar seus prórpios termos, valores e motivações. Deste modo, não acho que cabe à sociologia estabelecer "a relacao incosciente entre interesses e idéias", porque na verdade isso seria pressupor que a sociologia tem consciencia, cairíamos em um círculo vicioso, pouco científico, né? A não ser que concordemos com um outro uso para a sociologia, seu uso político, ou seja, aceitar sua inconsciência, sua ideologia e expor seus interesses. Neste caso, para mim, seria melhor montar um partido político, inclusive seria mais honesto. O caso Alan Sokal dominou a cena intelectual na década de 90, Sokal é um físico, Sokal é um positivista, como ele mesmo o assume, ele não concordaria com a idéia que o xará coloca de que a ciência tem Ideologia, portanto acho que ele não serve como contraponto a nossa discussão aqui. K. Mannhheim, da mesma forma não concordaria. Ora, foi ele que se referiu a ciência desvinculada dos interesses particulares... mas vinculada aos interesses gerais, criando o conceito de intelligentsia. Inclusive foi ele quem disse que as ciência exatas e naturais eram neutras. Neste sentido amigos, não acredito em isenções de valores, mas acho que a ciência constroi outros valores em seu uso, e misturar as coisas é muitas vezes cair no senso comum. Finalmente, não acredito em rigor científico para alguém que fale na Veja, ao mesmo tempo que seu discurso vai estar carregado de um linguajar sociológico, já que é neste campo que ele foi socializado.
Abraço.

Fabrício Maciel disse...

Bill, neste ponto Manhheim derrapa, pois toda inteligentsia tem valores particulares, Bourdieu é quem critica isso.

Roberto Torres disse...

Bill, eu faco de suas palavras as minhas: "que concordemos com um outro uso para a sociologia, seu uso político, ou seja, aceitar sua inconsciência, sua ideologia e expor seus interesses. Neste caso, para mim, seria melhor montar um partido político, inclusive seria mais honesto". Só acho que nao precisa montar o partido, porque fazer política nao se restringe a isso. Mas acho que, como voce disse, assumindo que também nós temos relacao de afinidades com interesse extra-científicos, devemos fazer a auto-objetivacao. Porque nao?

Talvez o termo afinidade eletiva do Weber seja melhor do que afinidade incosciente. Só para enfatizar que sao afinidades entre posicoes em campos diferentes e nao entre escolhas pessoais. O que estudamos, tem um efeito de modo a constituir uma nova informacao na comunicacao, no social tematizado, e acho importante tomar isso como objeto. Ai se funde um interesse político com o cognitivo, significa um novo horizonte de nossa atividade que se abre, da atividade cientifica mesmo.

Unknown disse...

Oi Bill

Você faz observações próprias da sociologia do conhecimento e, portanto, é nesse campo que pretendo responder as suas considerações. Para isso pretendo resgatar isoladamente partes de seus comentários - sob o risco de cometer alguma injustiça com a interpretação isolada de seu discurso (por isso, desde já, estou aberto a possíveis correções na leitura de sua fala). Bom, primeiramente você diz (marcando posição com a matriz wittgensteiniana da sociologia do conhecimento) que:

“Nós experimentamos o mundo por meio da linguagem e nós nos diferenciamos por meio de seu uso. é por isso que considero a ciência diferente do senso comum e da política, porque cada forma de vida vai especificar seus próprios termos, valores e motivações.” (Obs: o uso do itálico, feito por mim, nos enunciados é só para efeito de destaque das idéias que considero principais)

Esse argumento, me parece, coincide com a visão do pragmatismo wittgensteiniano (Richard Rorty?!?) e com o sócioconstrutivismo proposto por David Bloor. Essas duas correntes compartilham em comum a idéia de que o conhecimento nada mais é do que “crença institucionalizada” e que, portanto, cabe apenas à sociologia investigar as condições sociais de produção dos “acordos” na comunidade científica (e talvez também comunidade lingüística) acerca do que é considerado conhecimento “válido”. Essa idéia da comunidade científica, hoje dominante em muitos círculos acadêmicos, só começa a ganhar musculatura (apesar do “último” Wittgenstein já ter ensaiado) a partir de Thomas Kuhn e sua publicação clássica “The Structure of Scientific Revolutions” (1962). Na minha visão (que fique claro, é fundacionista), a abordagem supracitada da sociologia do conhecimento (anti-fundacionista e relativista) incorre em sérios “riscos” e “erros” que precisam ser evitados, no processo de produção do conhecimento: 1) tentação contextualista ( derivar o conhecimento apenas do contexto de sua produção, perdendo de vista sua positividade autônoma, isto é, a descoberta ou criação de algo verdadeiramente novo); 2) tentação relativista e subjetivista ( derivar o conhecimento exclusivamente da “tradição” onde ele é submetido – postura gadameriana). Em contraposição a essa postura, prefiro adotar o olhar de Renan Springer de Freitas ( que acompanha Frege e Popper), segundo o qual, o que é mais importante na produção do conhecimento cientifico não é apenas a existência de “interesses” em jogo (poderia ser jogo de linguagem também) na questão da validade ou não de uma descoberta, mas as condições às quais essa determinada descoberta é submetida para ser validada: crítica, comparação com outras teorias, isto é, a possibilidade de refutabilidade que só existe na ciência (uma evidente distinção entre ciência e dogma). Essa atitude experimental, própria da ciência, é o que leva a eu “acreditar” (é “crer” mesmo, no sentido asséptico do termo) que a Terra gira em torno do sol ou que (para trazer para o campo das ciências humanas) o conhecimento é um construto social (olha que beleza de armadilha epistemológica).

Unknown disse...

Em outro momento de sua fala, Bill diz:

“Deste modo, não acho que cabe à sociologia estabelecer ´a relação inconsciente entre interesses e idéias´, porque na verdade isso seria pressupor que a sociologia tem consciência, cairíamos em um círculo vicioso, pouco científico, né? A não ser que concordemos com um outro uso para a sociologia, seu uso político, ou seja, aceitar sua inconsciência, sua ideologia e expor seus interesses. Neste caso, para mim, seria melhor montar um partido político, inclusive seria mais honesto.”

Calma lá, sem confundir alhos com bugalhos! Quando se afirma que a produção do conhecimento sociológico significa (também) desvelar o inconsciente social, o tem em mente a possibilidade de desnaturalizar ou pelo menos frear a pulsão social que tende a naturalizar o mundo ordinário na cabeça das pessoas ( o que inclui os sociólogos). Lembre-se que para Bourdieu, longe de ser positivista, a ciência também está sujeita a naturalização de suas próprias categorias (que podem se tornar auto-explicativas) – e que por isso, é preciso encarar a ciência como um permanente empreendimento reflexivo que nunca cessa (daí a necessidade de vigilância epistemológica). Isso não significa afirmar que a sociologia tem consciência, mas assumir uma “ilusio” geradora ou não de “reflexividade” ( é bom lembrar que para Bourdieu, a reflexividade não está dada socialmente, como pensam outros como Habermas e Anthony Giddens).

Unknown disse...

Continuando, Bill afirma:

“O caso Alan Sokal dominou a cena intelectual na década de 90, Sokal é um físico, Sokal é um positivista, como ele mesmo o assume, ele não concordaria com a idéia que o xará coloca de que a ciência tem Ideologia, portanto acho que ele não serve como contraponto a nossa discussão aqui.”

Considero a polêmica promovida por Alan Sokal, importante sim, na medida que envolveu os pressupostos da filosofia da ciência e da sociologia do conhecimento. Por exemplo, Sokal bate pesado na confusão entre adotar uma postura relativista do ponto de vista metodológico e adotar o relativismo do ponto vista cognitivo-ontológico. A primeira atitude é muito importante como instrumento de neutralidade axiológica e, portanto, deve ser estimulada. Mas a última é pura naturalização do social. Acreditar que o conhecimento produzido por uma pai de santo do terreiro de mãe Jurema é equivalente ao cientifico é, no mínimo, obscurantismo ou ato de má fé (ou seja, impostura intelectual). Não me venham com o discurso perspectivista de que eu preciso dominar a gramática ou as regras dos jogos de linguagem do campo mágico-religioso para acessar a “verdade” da religião (Isso me fez lembrar uma colega da pós – evangélica - que disse que é preciso “sentir” ou ter “fé” para entender a lógica do universo religioso). Quer dizer que para eu estudar a religião enquanto fenômeno social, preciso ser crente?? Paciência! No mais, concordamos todos, creio, sobre Mannheim.

Bom, é isso, peço desculpas por ter desviado do tema principal, mais foi instigante o rumo tomado do debate...

Abraços a todos!

Roberto Torres disse...

Esse debate ta bom. Agora só quero assistir. Vamo lá Bill, ta na sua vez.

bill disse...

Caro pescador, mandei as resposta para o seu e-mail. abraço.

Unknown disse...

Oi bill!

Li suas críticas!Tenho o livro do Springer de Freitas que você sugeriu e conheço a crítica principal dele ao sócioconstrutivismo e ao pragmatismo. Realmente eu poderia ter sido mais claro no comentário do ponto de vista dele (adcionei uma idéia que na verdade é minha - não considero as perspectivas sócioconstrutivista e racionalista-popperiana excludentes, estou mais próximo de Bourdieu e Lahire). Mas de qualquer forma você conhece a posição do Renan (e suponho, a minha também). No que se refere ao Durkheim das "Formas Elementares" é bom lembrar que ele, nesse momento de sua empresa intelectual, se afasta do positivismo para assumir um ponto de vista neo-kantiano ( ainda assim, Durkheim nunca abriu mão da "fundamentação lógica" de suas idéias - daí a fama de praticar sociologia "dura". Ademais, adorei os seus comentários. Tenho críticas pontuais quanto aos autores que você citou, principalmente um certo ranço com o "positivismo" e a idéia anti-fundacionista do conhecimento.Certamente isso renderia um excelente debate regrado a álcool (rsrsrs)

Em outro momento, talvez

Abraços!

VP disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
VP disse...

Como já propus particularmente que o tema debatido seja transformado em texto para um post (e gostaria de convidar o Kadu a participar desta empreitada), sinto-me a vontade para meter a "colher suja", como diria o Xacal, e tentar voltar a uma outra questão específica do texto do Fabrício. Exatamente aquela que se referi às assertivas do Demétrio Magnoli. Pessoalmente, não vejo qualquer problema dele defender suas posições políticas com termos que são, em geral, utilizado pela sociologia. Se ele a utiliza como retórica, o faz cumprindo seu papel de político - aliás, no lugar onde a retórica é uma arma fundamental.

Pode até ser que o uso desse instrumento (linguagem "cientificizada") funcione para alguns leitores. Mas daí não se segue absolutamente mais nada. O Senador cumpre seu papel de político. Isso parece muito simples para mim. São meras opiniões, que eu discordo por partir de outros pressupostos. Não acredito que alguém considere a emissão de opiniões num jornal como atividade científica.

O problema ocorre quando a academia lança mão de armas típicas da arena estritamente política, não o contrário. E nesse sentido, retorno ao ponto de onde gostaria que vcs partissem: até onde o ativismo político da academia pode ir sem que altere suas próprias características que a distingue de outros campos de embates ideológicos?

No mais, acredito que uma das tarefas da sociologia seja exatamente fazer o que o Fabrício tentou no texto: desconstruir discursos, demonstrar suas bases conceituas e deflagrar as premissas que os fundamentam.

Para terminar como uma provocação, gostaria de lembrá-los que o fato da ciência não ser absolutamente neutra, não significa necessariamente que está envolvida em todas as querelas e imbróglios ideológicos. Simplesmente há interesses que não interessam, ou melhor, não são todas as lutas de interesses que afetam todos os campos acadêmicos.

Grande abraço,

Roberto Torres disse...

Vitor, perfeito. Nem todos os interesses interessam. Eu diria que os interesses que a ciencia social nao pode deixar de considerar, sao exatamente aqueles externos aos campos que de algum modo possuem uma afinidade eletiva com a pesquisa,com nossa atividade no campo. A comecar pela escolha dos temas que estudamos, nao há como evitar que haja uma hierarquia de interesses extra científicos como pressuposto para o que nos interessa na ciencia. Por isso eu acho que, antes de ser uma questao de escolha, para saber os limites entre ciencia e ideologia, é uma questao de nossa posicao no campo. Entramos num campo que já possui uma hierarquia, e nós nos posicionamos em relacao a ela. E isso nao é so política do campo, pois as hierarquias dos diferentes campos, da ciencia e da política visto como tal, penso eu, demonstram certas afinidades, ainda que uma nao seja redutível a outra.

Outra coisa, eu acho que muitas opinioes em jornal gozam de legitimidade científica. Como voce disse, desconstruir e deslegitimar isso talvez seja nossa maior tarefa política que, sem nenhum recuo, se dá em defesa da própria ciencia. Quando um cientista fala no Jornal, seja lá do que for, ele goza de uma autoridade. O que ele diz é tem um efeito político justamente porque usa a autoridade da ciencia.

Fabrício Maciel disse...

Vitor, meu interesse principal foi atacar a posição política do cara, totalmente contrária a minha e lamentável, o uso de artifícios retóricos nem foi o maior problema, pois na verdade há vários trechos onde ele esculacha mesmo, explicitamente. O que tá implícito é a posição política deste rapaz, que só pode ser ao lado dos inimigos de Lula. Mas na revista quem tá falando é o intelectual com legitimidade acadêmica...

Unknown disse...

Exatamente Fabrício!

Uma coisa é o intelectual na esfera privada soltar os cachorros sobre qualquer governo. Outra, é o mesmo intelectual fazer uso de um vocabulário de baixo nível num texto de um jornal ou revista e ainda assinar como acadêmico. É, como eu disse antes, no mínimo, desonestidade. É uma impostura intelectual porque a assinatura tem o efeito de distinção hierárquica. As pessoas leigas não ver ler aquele texto como a manifestação de uma subjetividade pontual, mas sim como "argumento de autoridade", que pressupõe "objetividade". Não se trata de haver neutralidade ou não. Mas sim como as pessoas do mundo ordinário fazem a leitura e atribuem sentido ao discurso do intelectual. Esse último detém o monopólio, socialmente legitimo, da fala e dos sentidos atribuído a ela. O que o Vitor colocou é um realmente um grande dilema (político)

xacal disse...

Grande debate...!

Como sou um "pitaqueiro" nato, vou fazer como o Vitor...lá vai a "colher suja"...

Me pareceu claro o foco do debate:

Como demarcar o campo onde o acadêmico faz política, e quando seu discurso serve a ciência...?

Nesse sentido, como e quem dá o "carimbo" de discurso científico, político ou até "religioso", sem cair em qualquer espécie de determinismo purista ou relativismo chinfrim...?

Esse é um problema que não fica bem resolvido se considerarmos que a ciência não ocorre à margem, ou sobre (uber)a política, e em certos casos a "escolha"(arbítrio) sobre quais temas devem ou não merecer a atenção da ciência são genuinamente políticos...

Aí está o nó...

E é preciso coragem para determinar quando um acadêmico faz uso de suas ferramentas(é inevitável, qualquer que seja a esfera do debate:pública ou privada) está utilizando teses e conceitos errados...mas quem está certo...?qual o nível de consenso para determinar uma premissa científica falsa ou verdadeira...?

O grande problema das ciências sociais é que, na maior parte dos casos, sequer há consenso sobre os princípios da própria modalidade científica e seus objetivos: para que serve a sociologia, a antropologia a ciência política...?

No caso de ciências como direito, matemática ou engenharia essas respostas são mais fáceis, e é possível delimitar um campo científico em oposição a um campo "anti-científico", ou leigo...

Aqui, nesse caso específico do Demétrio, pareceu-me claro que um "acadêmico" dá uma opinião de "leigo", e cometa a desonestidade de revestir seu "pitaco" com a "aura" da academia, como bem disse o pescador...

Um abraço...

Fabrício Maciel disse...

Caro Xacal, a questão de quem tá certo ou errado só se define se assumimos nossos objetivos políticos. Eu acho que estou certo por que estou do lado de medidas que facilitam um pouco a vida dos mais carentes. Hà um julgamento de valor aqui e uma escolha assumida. Uma orientação moral, ética e ideológica. Acho que um cara como Demétrio está errado por que está defendendo a sociedade do mérito integralmente, simplesmente ignorando sua lógica de exclusão implacável. SE ficarmos na questão abastrata que cada um tem sua verdade nao chegamos a lugar algum. é uma falsa questão epistemológica, a tentativa de neutralidade que busca tal argumento é conservadora, pois para mim não existe meio termo na ciência, ou se desvela ou se conserva.

VP disse...

Fabrício,

Acho interessante que você se assuma. Entretanto, acredito igualmente que suas assertivas, acerca da divisão entre os que "querem" uma melhora e os que almejam uma "piora" na qualidade de vida dos mais pobre, estão um tanto equivocadas.
Ficam (as assertivas) ainda mais confusas quando vc expõe em oposição entre os critérios de uma sociedade meritocrática (que não acredito ser exatamente a tese defendida por Demétrio!) e uma suposta sociedade regida pela igualdade.

E realidade, pioram (a qualidade das assertivas) quando são anexadas, ou transplantadas, às atividades acadêmcias. Existem muitas atividades acadêmcias que são movidas por outros motores que não exatamente os que vc expôs. Se a assim o fosse, boa parte da produção teórico-filosófica estaria simplesmente excluída das suas categorias. Aliás, não somente as pesquisas teorico-filosoficas, mas a esmagadora maioria das pesquisas realizadas sobre relações entre atores que já se encontram em condição de igualdade.

Grande abraço,

Vitor Peixoto

Unknown disse...

A defesa da neutralidade axiológica também é uma orientação moral ( aliás, Weber tinha bastante consciência disso). E eu, sinceramente, não vejo nenhum problema em adotar essa postura, ainda que seja uma “Ilusio”. É importante lembrar o comentário de Pierre Bourdieu acerca do uso indiscriminado do conceito de ideologia. Para Bourdieu, numa sociologia reflexiva, não se trata apenas de revelar o caráter “ilusório” das categorias de pensamento e ação, mas também refletir sobre seus efeitos sociais concretos. No caso da ciência, atitudes como “vigilância epistemológica” e “neutralidade axiológica” possibilitam avanços substantivos nas pesquisas (a menos que alguém não concorde com a visão cumulativa da ciência e ache que não é possível estabelecer uma hierarquia entre conhecimento produzido no passado e nos dia de hoje). Ademais, Magnoli, ao meu ver, não reproduz apenas uma visão ideológica (liberal) sobre o mundo social. Mas também comete um conjunto de impropriedades teóricas ao não refletir sociologicamente sobre determinadas categorias, tais como os conceitos de democracia, assistencialismo e salvacionismo. Em seu discurso, esses conceitos operam mais como categorias políticas (ou seja, entramos no campo da ciência política).

Roberto Torres disse...
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Roberto Torres disse...

Xacal,
eu acho que é isso mesmo. O problema do Demétrio é que ele faz apenas política com o carimbo da ciencia. Pensar no contrário, sem abandonar que a ciencia tem uma relacao com a política, é que nao é fácil. Nesse ponto eu discordo do Fabrício. Apenas assumindo nossos objetivos políticos ainda nao conseguimos mostrar que estamos certos ou errado no campo da ciencia. E também, penso eu, no tipo que postura política que eu imagino poder assumir a ciencia sem deixar de ser ciencia. No campo da ciencia, efetivamente os critérios de justificacao moral como estar do lado dos mais carentes em nada servem para determinar o grau de objetividade de uma proposicao. Se fosse assim a ciencia seria completamente abarcada pela justificacao moral, deixaria de existir. Para Weber, o juizo de valor, que nao precisamos conceber de modo tao subjetivista como ele, nao deve definir as regras que refutam ou comprovam proposicoes. Claro, como o pescador disse, ai está embutido um valor objetivo também: a idéia de autonomia cognitiva que legitima toda a existencia da ciencia, embora claro nao explique como ela existe de fato. (legitimar é uma racionlizacao que nao explica o desenrolar das coisas, pois tende a descrever como genese racional a instituicao arbitrária). Ao lado da autonomia cognitiva proporcionada pela vigilancia sobre o juizo de valor, está para Weber a necessidade de aderir assumidamente a valores quando se decide o que é digno de estudo, com o que a ciencia está engajada. Sei que weber nao disse exatamente assim, mas isso nao importa.
Quando a relacao entre ciencia e política que eu creio ser a melhor possível (vamos entao assumir tudo logo rsrsrs ) também nao concordo que aderir às necessidades dos mais carentes, por si só, separe o certo do errado. Lembra, Fabrício, da crítica que o Habermas faz ao Honneth? O fato de certas necessidades serem dos mais carentes, desempregados por exemplo, nao implica diretamente que elas possuam superioridade moral. Elas precisam ser justificadas, postas em relacao a algum consenso possível que extrapole os limites da classe. Sua manifestacao substancialiazada nao é o melhor critério possível de justificacao de sua superioridade possível. É necessária que a satisfacao destes interesses possa ser de tal modo sistematizada em argumentos que os seus opositores também nao possam recusar. Ver que é melhor para todos os envolvidos na disputa que haja o reconhecimento destes interesses, porque a parte reconhecida pode contribuir numa vida coletiva melhor e mais realizadora para todos. Eu sei que isso pode parecer ingenuo, mas no campo específico da justificacao moral (que, claro, pode ser comletamente restrito em certos contextos) existe um trabalho de sistematizacao capaz de "fundir interesses". Ora, isso seria "convencer" a classe média que uma sociedade sem fome e sem enorme desigualdade é melhor para se viver, que tais politicas contra a fome produzem um efeito de cooperao coletiva interessante para a classe média também. Significa lembrar que a vida social estruturada sobre a humilhacao em massa produz um acumulo de ódio e boicote que podem sempre repercutir em nós mesmos. Bem, neste ponto sou Habermasiano, pois acredito que é possível demarcar na história contextos, ainda que muito restritos, onde foi possível argumentar moralmente neste sentido. Os diferentes grupos teriam, claro,que pressupor um nocao de boa vida minimamente partilhada (a nocao de civilidade, creio eu, seria está nocao). Acredito que um processo de aprendizado moral existe na história, embora ele nao explique a história. A ciencia tem um papel ai porque ela pode mostrar como determinadas condicoes sociais impedem a realizacao desta nocao de vida boa. Mostrar que, enquanto tivermos um classe de humilhados, teremos que ter todos os dias relacoes de cordilidade, estratégia de fuga e indiferenca, que nos afastam de uma imagem do que é possuir uma vida dotada de valor, do que é ser uma pessoa dotada de valor. Acredito que cetos valores objetivos, como a civilidade, sao irrecusáveis por qualquer ser humano hoje que possa ter autonomia cognitiva para pensar sobre eles, que nao sejam movidos pelo ódio advindo da falta de uma vida que preencha os critérios desta civilidade.

bill disse...

Pescador meu caro,

Como assim, "ao menos que alguém não concorde com a visão cumulativa de ciência"? Poxa, isso é uma discussão que se trava no seio da filosofia da ciência até hoje... O próprio Alexander, no novo movimento teórico, não está de acordo com esta tese. Isto não é tão óbvio como vc sugere.

Abraço.

Unknown disse...

Oi bill!

De fato, a tese do movimento pendular das teorias e da ausência de um consenso nas ciências sociais defendida por Jeffrey Alexander é muito interessante. Ainda assim, o nível de sofisticação atual (maior rigor na elaboração dos conceitos, discussões metodológicas, maior abrangência de temas e maior profundidade ou detalhamento dos mesmos, além do próprio movimento de síntese atual) leva a se concluir que vivemos, sim, uma etapa de reflexão teórica superior em ralação aos clássicos (o que não invalida a atualidade dos clássicos – e aqui eu concordo com a idéia de que os clássicos das ciências sociais sempre tem algo a dizer sobre o presente, conforme postula Alexander). Claro que para os neopragmatistas, sócioconstrutivistas, Edgar Morin, Michel Mafezoli e outras formas de esoterismos pós-modernos que adoram caricaturar o “positivismo” (sem, na maior parte das vezes, se darem conta o quanto são tributários do mesmo), não é possível estabelecer mesmo nenhuma hierarquia entre o conhecimento científico e o senso comum (muito menos uma hierarquia interna no conhecimento científico). Mas aí, é outra história ou outro jogo de linguagem, rsrs...

Abraços

bill disse...

Mas pescador, nível de sofisticação não quer dizer cumulatividade, né? Acumular conhecimento, desde a posição contrária de Kuhn até a posição favorável de Popper, diz respeito ao fato de que NOVAS teorias explicam melhor determinados fenômenos. E não são só estes "esotéricos" a que vc se referiu que não concordam com isso. isto não pode ser usado como critério demarcador de grupos na filosofia da conhecimento. Da mesma forma, não acreditar na não cumulatividade do conhecimento científico não leva imediatamente a achar que ciência e senso comum é a mesma coisa. Aqui também o critério de demarcação é outro.

Abraço.

Roberto Torres disse...

Bill, o que voce acha da seguinte proposicao: as mudancas de paradigma nao obedecem aos canones do paradigma vigente, ou seja, nao decorrem da cumulatividade que vige num dado momento da comunidade científica (tese de Kuhn). Mas, mesmo sabendo disso, ou seja, tendo uma visao auto-crítica como obervador de segunda ordem da ciencia, e talvez por saber de toda esta contingencia da evolucao da ciencia para além do telos embutido na nocao de cumulatividade vigente, porque nao aceitar a hipótese seguinte: é possível reconstruir a história da ciencia social, verificando a tese de Kuhn, e ainda assim se deparar com o fato de que hoje se faz teoria com maior poder explicativo do que há 130 anos antes. E nao apenas mais sofisticada terminologicamente. Quero dizr com isso que verificar a razao na história da ciencia pode nao significar acreditar de modo ingenuo que a razao científica explique a evolucao da ciencia, e sim que na ciencia, assim como na moral, o conflito tem impulsionado as visoes de mundo, "curiosamente", para níveis mais precisos (no caso da ciencia) e verdadeiros.

bill disse...

é difícil acreditar nisso roberto porque nosso campo se caracteriza pela falta de consenso paradigmático. Se não há paradigma como falar de revolução científica? Por outro lado, pode-se dizer que as pesquisas empíricas tem disponibilizado uma quantidade de dados sistematizados que nos permitem dizer que hoje se "conhece" muito mais que antigamente em termos horizontais. Ou seja, há uma disponibilidade de dados imensa, mas que não nos garante hierarquização paradigmática. Ainda que estes dados sejam frutos de teorias assumidas anteriormente, eles não garantem a verdade de cada uma, mas desafiam as outras. Para mim ciências sociais vive sempre naquele estágio que Kuhn classifica de ciência revolucionária. Todo mundo acha que fez a revolução, quando se dá conta, vê que existem milhares de revoluções acontecendo. Cara, vai numa mesa de teoria na anpocs... 12 expositores em 3 dias, 12 diferenças teóricas. Parece até partido trotskista...(cada mebor tem uma revolução na cabeça).
abraço.

Unknown disse...

Pois é, bill!

Lembro-me de um GT de teoria social na UFMG do qual participei a dois anos atrás. Realmente o cenário de discussão parecia um encontro de trotskistas mesmo (rsrsrs). No entanto, um ponto alto do debate foi justamente o consenso em torno da ausência de paradigma e consenso nas ciências sociais (rsrs).Todos reconheciam essa situação, mas o mais interessante foi o entendimento de todos de que fazer ciências sociais nos dias de hoje exige um maior de nível de sistematização e controle das categorias de análise social, o que não traduz necessariamente maior possibilidade de acerto. Mas, sim, maior possibilidade de afastar erros elementares na construção do conhecimento. E isso é muito importante na prática científica, principalmente na sociologia aplicada. Vamos ser francos bill, o fato das ciências consideradas "duras" (ciências naturais e ciências biológicas) terem seus paradigmas bem solidificados não está evitando um monte de barbeirada teórica, conforme a gente tem assistido hoje por aí. Aliás, os caras nesses campos estão tão seguros dos seus métodos que estão contribuindo para a difusão de uma cultura anti-teoria. Sobre isso, o pai de uma amiga minha que é físico, certa vez, comentou, meio como desabafo, a total ignorância que ele percebia nos seus orientados, no que refere a um maior rigor teórico. Todos ficaram, segundo ele, prisioneiros do fetichismo do empirismo. Ele ainda provocou: "tenho dúvidas sobre quantos de meus alunos leram algo de Popper, Kuhn ou qualquer outro filósofo da ciência, muito menos se entendeu". Portanto, assim como Jeffrey Alexander e Anthony Giddens assinalavam, também considero o dissenso algo positivo na nossa área.É um indicativo de maior reflexividade acerca do mundo. Ou seja, estamos menos suscetíveis a comprar gato por lebre. Ou pelo menos, consumidores mais exigentes...

VP disse...

Receio que daqui a pouco possam chegar aos tropos de Pirro. Falta muito pouco...
Só para lembrar:

"Nada é;
Se for, é incognoscível;
Se for cognoscível, é incomunicável."

Até que é bacana, pois deu origem ao ceticismo de Montaigne e Hume (hoje o Lessa garante que Freud também bebeu dessa água), mas não custa lembrar que na teoria econômica deu em Hayek. Aliás, cujas proposições de indeterminação (a priori) e complexidade dos mecanismos econômicos fundamentavam a não intervenção do Estado. Um ponto que, se transportado para outros campos sociais, chegariam a conclusões bastante similares ao que se debate aqui sobre ciência. Ora, se "os métodos empíricos são uma merda", "partem de teorias equivocadas", "não pensam teoricamente", "não são auto-reflexivos", "a probabilidade de acerto é próxma de zero", "não existe consenso", e outras coisas do gênero, então é melhor ficar em casa e deixar acontecer!

Se ninguém sabe de porra nenhuma mesmo; e se souber, saberá equivocadamente; e se souber acertadamente, ninguém saberá distinguir no meio de tanta besteira, já que se produz contradições inúmeras e não se tem consenso. E mais: se houver consenso, ninguém pode dizer que o consenso é correto. Diante desse diagnóstico, o remédio é devolver toda grana que o Estado investiu em nossa formação. Fechar imediatamente todas as Universidade e Centros de Pesquisas, mandar todo mundo capinar um quintal ou lavar uma trouxa de roupa suja. ... Mas pensando bem, para quer capinar e lavar se irão crescer o mato e sujar as roupas novamente?



Abraços,


ps: agora uma brincadeira: vão caçar um marido pra vcs, que eu vou curtir meu carnaval! rs,rs,rs,rs...

Roberto Torres disse...

voce já encontrou seu marido vitor...rs

VP disse...

Fica com ciúmes não, Robertão, que tem pra todo mundo! rs,rs,rs,rs...