A crise americana, o tempo do capital e do dia a dia
por Roberto Torres
A análise de Gabor Steingart na Revista “Der Spiegel”1 sobre o significado histórico da atual crise financeira deflagrada nos EUA parece ser muito inovadora num campo de analise dominado pela linguagem econômica que, ao ser produzida pela visão de mundo hegemônica do capitalismo liberal de hoje em dia, não pode buscar a contradição fundamental do sistema capitalista. Steingart analisa a atual crise como algo muito além de uma tensão de demandas funcionais da reprodução automática do capital, no sentido de uma crise reduzida às instituições mais facilmente inidentificáveis com as demandas do capital, como os bancos de investimento e financiamento e a própria bolsa de valores. Para Steingart, a crise financeira só é de fato uma crise porque ela traz no seu bojo a fragilidade da relação com o tempo que hoje sustenta não só o capital mas também o comportamento cotidiano de quase toda uma nação.
Steingart percebe o comportamento dos investidores e acionistas como um comportamento tipicamente religioso, e o dinheiro como sendo, claro, o deus onipotente de toda a crença. A inovação de Steingart em relação a outros que também exploraram está metáfora é que ele analisa as diversas formas de cultuar este Deus mantidas não só pelos sacerdotes que vestem todo dia a batina e invocam o deus mercado em Wall Street mas também pelos leigos que em seus lares ordinários servem ao mesmo deus. E para ele o que mais diferencia um culto do outro é a relação com o tempo mantida entre os crentes e a divindade, sobretudo a concepção de futuro que orienta a ação “econômico-religiosa”. Muitos devem achar que analisar o capitalismo como sendo uma religião é algo que não pode passar de uma metáfora. Mas quando percebemos o comportamento dos sacerdotes e fiéis de Wall Street do modo como percebe Steingart vemos indivíduos acreditarem num promessa de futuro cujas bases fáticas são tao inacessíveis como a de uma religião; no caso específico do capitalismo financeiro americano o que temos é uma religiosidade mágica do capitalismo em que um jogo perigoso com o futuro é o horizonte de todas as acoes.
Diferentemente do “capitalismo organizado” da produção industrial, em que o premio pela crença no mercado se dava por um desempenho linear e mais ou menos previsível, a relação como tempo deste capitalismo financeiro do dia a dia é marcada pelo espírito do jogo e da aventura. A frugalidade ascética do poupador protestante, cujo esteriótipo ainda anima a ignorância de muitos sobre o que é capitalismo, já há tempo deu lugar a extravagancia e ao jogo irresponsável. Enquanto Benjamim Franklin pregava responsabilidade laboral para que um pequeno empreendedor merecesse crédito e confiança, no capitalismo de hoje o próprio Estado assume a tarefa de financiar a jogatina com o futuro, praticada todos os dias pelos investidores e pelas seguradoras que lucram distribuindo desigualmente os encargos do risco.
O “novo espírito do capitalismo” 2 tem justamente este componente mágico como inovação hetorodoxa no conjunto desta grande “religião mundial” que é o capitalismo desde o século XIX pelo menos. Ao invés de investir no desempenho do capital via extração de mais valia relativa, numa relação com o tempo marcada pelo continuidade e pela previsão, a regra hoje é apostar num cassino em que, como em todo cassino, a boa sorte de poucos precisa ser o azar de muitos numa relação com o tempo traçada pela descontinuidade e pela manipulação do risco. E esta crença magica no próprio acaso, o otimismo da vontade de que tudo é igualmente possível, é também o que sustenta o comportamento econômico-religioso dos consumidores em seus lares gerindo o futuro de suas famílias e de seus filhos. Trata-se de uma concepção de tempo em que o futuro é apostado em prol de um comportamento presente baseado no abandono da tentativa em controlar o risco. Pelo contrário, é justamente o fervor com o risco, o risco de ganhar milhões em poucas horas, que faz a regra, ou seja, a tendencia em quebrar todas regras em busca das cifras e da prosperidade prometidas pelo acaso. Steingart afirma que “as companhias de cartão de crédito dos Estados Unidos não estão em uma situação significativamente melhor do que os bancos. Elas também venderam o futuro e até mesmo uma parcela do período posterior a ele.” Acontece que, se as seguradoras quebradas existiam para evitar os efeitos do risco sobre investidores privilegiados, as empresas de cartão de crédito possuem uma capilaridade social muito maior ao financiar o consumo irresponsável ao mesmo tempo em que se encarregam do risco de inadimplência que assusta as empresas.
2Ver o livro de Luic Boltanski e Eve Chiapello, que tem esta expressão no título.
9 comentários:
Excelente análise Roberto!
me inspirei no texto que voce enviou
Sou campista e amo minha cidade, por isso hoje sou eleitor do Dr. Arnaldo Vianna, por que não quero que minha cidade caia novamente nas mãos do casal Garotinho, que quer usar a Prefeitura de Campos pra destruir o que resta de nossa cidade e patrocinar sua campanha pra governador em 2010.
Não admito deixar que a Rosinha e sua turma vença essa eleição. Isso seria um absurdo! O Garotinho e Rosinha não fizeram nada por Campos, só roubaram, só trouxeram atraso e agora querem a prefeitura para eleger o Garotinho governador em 2010 e deixar o estado falido outra vez.
Infelizmente, a justiça comprada que temos indeferiu o registro da candidatura de Dr. Arnaldo porque as contas dele quando foi prefeito foi rejeitada pela justiça. Mas os advogados de Dr. Arnaldo foram pra Brasília tentar resolver isso. Era pra ser resolvido hoje, mas não foi, agora só na semana que vem.
Hoje eu estou com medo, porque acho que a turma corrupta do Garotinho vai comprar a justiça para negar o registro do Dr. Arnaldo. Se isso acontecer, os votos dele serão considerados nulos.
Não podemos deixar que o casal Garotinho volte a governar a nossa cidade! Não duvido nada que vão fazer de tudo pra cassar o Arnaldo depois da eleição e anular os votos deles! Aí vai ser fácil pra Rosinha, ela vai vencer no primeiro turno.
Então, eu resolvi tomar uma decisão. Eu ia votar no Arnaldo porque ele é o unico que pode vencer o casal, mas a única solução depois disso é votar na Odete e ela ter uma boa votação para que a Rosinha não ganhe no primeiro turno.
Por isso, estou mandando esse email pra vocês fazendo um apelo para que não deixem esse casal de pilantras que só tem uma casinha na Lapa levar a prefeitura de bandeja!
CONTRA O GAROTINHO EU VOTO NA ODETE!
Roberto,
Ótimo texto....
Não parece ser coincidência que o ideário NEOCON, que hegemonizou o aparato ideológico de Estado dos EEUU, e que produziu boa parte dos conflitos internos e externos, que contrapuseram os estadunidenses com boa parte do mundo, e que pôs em xeque sua posição de "liderança" democrática do mundo ocidental, tenha como reflexo/causa a predominância de uma "práxis" fundamentalista dos seguidores do deus mercado...
nessa nova estrutura organizativa das variáveis econômicas, e dos seus atores, há uma hierarquia que divide as tarefas mais ou menos assim: os oráculos, os sacerdotes, os missionários, e os seguidores...
Os oráculos são os formuladores e "sabedores" de todos os mistérios da fé e dos dogmas do igreja wallsreet...são eles que decodificam e tornam "temporais" os mandamentos mercadológicos...estão acima de todos, do estado, da lei, e dos homens...os dogmas do mercado são insondáveis, e indiscutíveis...
Os sacerdotes são os interlocutores dos oráculos, são operadores, banqueiros e ex-gestores públicos, etc...eles recolhem as oferendas, e mantêm a estrutura funcionando...
os missionários são os formadores de opinião e sabujos da mídia, que levam a mensagem do mercado aos fiéis e pagãos/contribuintes(adoram pagar a conta do final)...
seguidores somos todos nós, que pagamos as obrigações rituais com nossos tributos/sacrifícios...
brincadeiras à parte, nessa nova religião, hoje decadente, o fluxo de capitais e as formas "tradicionais" e ortodoxas de geração e acumulação de riqueza cedem espaço a um capitalismo de informação, que seria uma fase ulterior ao capitalismo financeiro...
boa parte desse "capitalismo" não se baseia em ativos reais e sim na "confiança" ou esperança de quem, como, onde e quando esses fluxos de capital se movimentarão...
por isso houve uma oscilação brutal do preço do petróleo, antes para cima, e agora para baixo, sem qualquer relação com demanda/oferta...
assim se construiu o "culto" a hipoteca e ao crédito duvidoso, que ameaça levar o mundo todo para "o inferno"....
Roberto, voce toca no tema que me parece ser um dos maiores para a analise do presente, voce sabe o quanto já pensamos sobre a dimensão imaterial do capital que organiza relações materiais em todas as dimensões de nossa vida. estou lendo o formas elementares de vida religiosa do Durkheim e um dos pontos altos é exatamente este. Para ele toda forma de organização religiosa exprime uma forma de organização social objetiva anterior, atribuindo sentido a esta e assim contribuindo para sua reprodução e evolução. a idéia de um capitalismo religioso é neste sentido altamente coerente, pois a simples logica de reprodução constante das relações neste sistema, ainda que movidas por um conteúdo de risco, sao uma forma de reprodução social coerente, no sentido de que nenhuma sociedadde deixa de existir com isso, pelo contrario, isto explica a sobrevivencia do capitalismo em crises que na verdade sao necessarias ao seu funcionamento. a simples representaçao de uma sociedade que vive para alem dos individuos surge pela primeira vez como uma ideia religiosa, por isso a coerencia da metafora. otimo texto.
Xacal, pois é... o fetiche da mercadoria é parte de toda uma percepcao de mundo baseada na confianca cega no dinheiro e seu "poder multiplicador".
Fabrício, a busca da coerencia devemos compreende-la como o que impulsiona a constituicao do sentido da acao. A coerencia talvez seja o índice cognitivo da legitimidade de uma sociedade. E, por isso, a crise de legitimidade tem a ver com a crise coerencia.
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