terça-feira, 28 de outubro de 2008

Os Cariocas e sua Decadência


por Ricardo Wisser, carioca, sociólogo e
mestrando em ciencias sociais pela UFJF




Nas eleições do segundo turno no Rio de Janeiro tivemos uma polarização entre dois tipos de candidatos: o blasé zona sul, “cool”, pseudo-crítico e o tecnocrata de direita.
Fernando Gabeira (PV) é o típico candidato de classe média que desfruta de todo o seu capital de relações pessoais com artísticas e intelectuais para dar-lhe a legitimidade necessária. Gabeira é o típico carioca “gente boa”, “de bem com a vida”. No entanto, este termo aqui significa o fato de que o próprio ideal de “carioca” não se confirma senão por meio de uma generalização do ponto de vista específico de classe, sem dúvida, dominante. Este personagem exige toda uma ‘fenomenologia’.
Toda vez que imaginamos o “carioca”, ele em geral, está conversando informalmente com os amigos no bar da esquina, correndo na praia ou mesmo aplaudindo o pôr-do-sol no arpoador. Tudo na “santa paz” de quem não precisa se preocupar com as urgências mundanas. Todavia, este tipo proveniente de uma classe social específica, da burguesia carioca, não se constitui enquanto alguém, como alguns sociólogos apontam refratário às instituições modernas. Ao contrário, ele goza da tranqüilidade de quem já está totalmente integrado a elas. No fundo, o “carioca”, melhor dizendo, o burguês carioca “de vanguarda” como se diz Gabeira é o já conhecido blasé. Este, já descrito por Georg Simmel, é justamente aquele com quem e com que nada se identifica. Ele é um tipo humano covarde porque está sempre disposto a se adequar a tudo na medida em que todas as opiniões são válidas e conciliáveis.
Com charminho “cool”, encarnado na questão ecológica que, diga-se de passagem, preocupação burguesa que adere cada vez mais ao mercado de produtos ecologicamente corretos (e mais caros do que os convencionais) com o ar de estarem sendo os mártires ecológicos enquanto na verdade trata-se de estilização da vida. Não que a questão ecológica não seja relevante, pelo contrário, mas seu potencial crítico torna-se apagado quando parece que tudo se resolve via mercadorias.
Eduardo Paes (PMDB) é o candidato de direita para quem a sociedade se resume, em essência, ao “fetichismo da mercadoria”. Este conceito de Marx expressa bem o espírito deste candidato na medida em que a economia fetichista do liberalismo interpreta o mercado (e sua transferência de valor) a partir da circulação de mercadorias. O mundo e o mercado nos aparecem como se fossem relações entre coisas e não entre pessoas. É se inspirando nesta idéia que podemos ter uma visão mais geral de como isso funciona. Numa forma bem exagerada: políticas públicas são reduzidas a obras, construção de pontes ou repavimentação de ruas. A cidade só é percebida na sua dimensão material, como se fosse composta exclusivamente de ruas, prédios, calçadas e não por pessoas hierarquizadas em classes sociais.
Como qualquer bom candidato de direita Paes percebe o mundo de forma superficial, curto-prazista e fragmentada. Assim como a forma de lidar com a delinqüência é colocar mais policiais na rua ou comprar mais viaturas a maneira mais (na verdade menos) eficaz de melhorar a educação é construindo escolas, como se num “passe de mágica” as crianças fossem se sentir incentivadas a estudar. Ou ainda, imaginemos o esforço (naturalizado por nós leitores) de controle do corpo e da atenção exigido pela leitura. Fragmentados, pois a sociedade aparece como um conjunto estanque de problemas (como segurança pública, saúde, educação e etc.) a serem resolvidos separando aquilo que deveria relacionar. A forma seccionada de enxergar a sociedade contribui para a forma curto-prazista e paliativa de política pública justamente enxergar a sociedade de maneira compartimentada.
Para concluir é preciso afirmar que mesmo no charme pseudo-esquerda ou na visão limitada de quem vê a sociedade como composta de ruas, carros, prédios, isto é, de coisas. Em relação à política foi sempre necessário tomar um passo atrás até porque, como diria Pierre Bourdieu, “as grandes profecias são polissêmicas” .

26 comentários:

Anônimo disse...

Apesar do bom texto, o amigo deveria se informar mais sobre a história de Fernando Gabeira, bem como acompanhar a sua atuação como deputado. Independente e honesto.

Perdeu de cabeça erguida, sem se corromper.

xacal disse...

Essa é outra face do gabeira que o Roberto talvez tenha esquecido de mencionar, mas que o comentário do anônimo nos lembra:

O udenismo fashion de gabeira...

Um fenômeno típico, que assola uma boa parte dos nossos quadros políticos de "esquerda", como Roberto Freire (pps), e Pedro Simon (pmdb)...O que eles têm em comum: se dizem acima dos partidos, e da política, mas na verdade, escondem uma opção de classe na escolha do discurso anti-político que vociferam...

Geralmente, são flagrados em pecados de improbidade, ou até mesmo desonestidade intelecutal, e aí, se desmontam, pois sem a bandeira falso moralista que empunham, não resta muito conteúdo a ser aproveitado.

Roberto Torres disse...

Maravilha Xacal! Adorei o udenismo fashion. Mas o texto é de um amigo meu.

Nao se trata nem de que ele nao seja um deputado independente e honesto (?????), mas do que isso significa, do efeito e do acordo tácito que isso produz com a classe média conservadora, tentando se enfeitar com as bandeiras "verdes": a ética na politica, o lacerdismo pós-68. Como deputado, lembro de Gabeira esculhachando Severino Cavalcanti, dizendo que ele envergonhava a camarada dos deputados entao como presidente. Obviamente eu nao sou simpatito ao o jeito severino de fazer politica, mas, muito além do discurso sobre a ética, o que Gabeira expressava era a adesao ao modo liberal de fazer política, e o repúdio a falta de bons modos de severino, que, de modo inadvertido, e sem vergonha, assumia que tudo ali se resolvia no toma la da ca. Na época eu adorei a atitude de Gabeira, mas hoje a vejo como expressao de algo muito mais mesquinho do que ela me pareceu na época.

bill disse...

"Pseudo-esquerda"... Tá bem, não vou discutir o que o Gabeira é, nem o que o Paes é. Mas gostaria de uma definição de Vero-esquerda, acho que isso ajudaria-me a entender o texto.

Abraço.

Roberto Torres disse...

Bill, exigir definicoes é a coisa mais instigante de um debate para mim, e mais produtiva tb. Quase sempre usamos a polissemia como forma de dizer algo sobre o que nao temos clareza. Vou ver se eu consigo definir a pseudo-esquerda. Mas antes eu vou ousar definir esquerda.

A primeira coisa é que nao devemos, claro, adotar o critério da autodefinicao. Se nao até o PSDB e esquerda ... Maluf ja disse que é de centro-esquerda...

A esquerda é uma toma de posicao politica que envolve um ganho cognitivo sobre a realidade sociopolitica. Ela e interessada na critica, em reconstruir a história e demonstrar a contingencia arbitrária do que aparece como natural e fortuito. Claro que isso e um tipo ideal. Mas acho que gabeira cada vez mais se distancia dele ao aproveitar o interesse conservador de uma classe em esconder a origem de seus interesses ambientais and so on.

bill disse...

Roberto,

Compartilhamos muitos pontos, inclusive esta sua definição (Bobbiana) de esqurda: "Ela e interessada na critica, em reconstruir a história e demonstrar a contingencia arbitrária do que aparece como natural e fortuito." Gabeira é exatamente isso, em um nível. E não somente no plano ambiental, como dizem... no plano dos valores, por exemplo, quando todos aderiam ao discurso fácil do "libera" ele foi contra, mas ressaltando que repressão não ajuda...Ademais, ter apoio de conservadores (cada conservador = 1 voto) é do jogo político... os comunistas do PC do B (de esquerda, né?) apoiaram o conservador Paes (que disse que Lula era comandante de quadrilha...). Nossas definições são muito importantes, conquanto não as tomemos como dados reais. A realidade social não vai lhe cair bem...

Abraço.

xacal disse...

Talvez Bill,

Mas a crítica ao "comportamento" de gabeira ultrapassa essa questão do pragmatismo politico (conservador=1 voto), quando Gabeira se coloca "uber alles" para fazer suas escolhas "conservadoras"...quer o bônus dessa alianças, mas pretende se postar junto a opinião pública como um anti-político...esse é um comportamento "típico" de direita, que aliás nem gosta de se autodenominar...

Outra contradição importante é sua postura em relação ao tema da descriminalização/legalização de entorpecentes...

Não adere ao "liberou geral", e reproduz um discurso "caiado" de conservadorismo:

A abordagem típica de descriminalização do consumo atende muito bem ao público classe média zona sul, ótimo...! É até um avanço, tratar como problema de saúde pública, etc e tal...

Mas e o tráfico...?

Como atuar na questão da oferta do produto...É possível diminuir essa oferta com a "war on drugs" da polícia de todos os governos estaduais até agora...?

Nesse ponto gabeira, atento ao eleitorado e a mídia, faz sua inflexão e recua rumo ao discurso do ataque oa traficante, sem distingüir claramente, operadores de varejo segregados em favelas, e eleitos como inimigos públicos número 1, e os financiadores/atacadistas que, provavelmente são digníssimos vizinhos do gabeira na zona sul...

bill disse...

Xacal, meu caro,

Duvido muito que Gabeira não tenha estas discussões elaboradas, todas elas... duvido ainda que ele não saiba quem é o PFL e os outros que o apoiaram. Só que a percepção da política eleitoral é diferente da Ideologia, são lógicas às vezes contrárias. E a sombra do PFL não escurece o Gabeira, já que o que o PFL faz é ser contra o Lula, não a favor do Gabeira. Qual partido não faz o jogo da direita no processo eleitora? Aqui o PSOL aceitou dinheiro da Gerdal, e a Luciana Genro disse que só assim pode-se ganhar eleição.

Abraço.

Roberto Torres disse...

Bill, eu acho que o mais importante nao é se Gabeira tem ou nao essas preocupacoes críticas in foro intimo. E também nao acho que o apoio ou nao dos DEM(O), rs, seja o que define o caráter conservador da candidatura dele. Esse caráter conservador, nao só da candidatura dele, mas de sua posicao politica já há algum tempo, para mim se define na relacao dele com a base objetiva que lhe dá suporte, um eleitorado de classe média cujo interesse pre-reflexivo é ressignifcar conteúdos simbólicos associdados a uma imagem progressista de Gabeira, e legitimar assim seus estilos de vida.E claro que essa nova direita é melhor do que a velha! Gabeira nao é a favor de expulsar as prostitutas da orla de copacabana, como Eduardo Paes é. Mas ele poe a questao em público, e é isso que importa, como se permitir a atividade fosse dar o direito de alguém exercer a sua profissao, como se fosse uma escolha de atividade como qualquer outra. Ai ele vem e diz: " eu nao tenho preconceito..."...., ela representa uma mudanca ideológica na campo da direita, algo que a esquerda também precisa fazer...

Fabrício Maciel disse...

Grande texto do Ricardo. Ainda que não tenha proposto um candidato ideal, uma terceira via, o que na verdade seria muito mais utopia e posição pessoal do que análise, a irreverência e associação dos candidatos com lugares de classe e ideologias muito bem incrustadas no cotidiano nao apenas carioca mostra muito bem a decadência, onde as opções se resumem apenas a conservadorismos só aparentemente distintos.

Anônimo disse...

Gabeira foi há pouco tempo, capa da VEJA e a mesma lhe elogiou. Convenhamos que d esquerda Gabeira nao tem nada ha muito tempo.
GAbeira foi apoiado pelo PPS, PSDB e o mesmo disse que hj em dia esse conceito direita esquerda e direita não existe mais.
POde ser um carioca de " bem com a vida " como diz o texto, mas não de bem com as classes oprimidas.
Em tempo, Eduardo paes é um direia fascistinha.

Roberto Torres disse...

eu tinha me esquecido da Veja... bem lembrando anonimo. Acho que ninguem aqui discorda que a Veja é um termometro infalível do alinhamento com a direita.

bill disse...

Quantas vezes o Lula foi capa da veja? Muitas vezes em tom elogioso... Onde estaria o Lula no espectro político?

Abraço.

Anônimo disse...

Lula é o mito do presidente operário. Sempre viveu as custas do dízimo do PT e a filha estudando em Paris...

Roberto Torres disse...

voces nao estao sendo generosos...rsrs. uma coisa e ser capa da veja uma vez ou outra, outra coisa é significar, no sentido sociopolitico, um posicao politica que palatável à vanguarda do liberalismo tacanho que a veja representa. Gabeira foi capa da veja e continua sendo, Lula nao!

xacal disse...

puta que pariu...é síndrome de vira-latas...

bom seria se lula vivesse às custas da ALSTOM, multinacional francesa que encheu o rabo do psdb, de covas até zé serra...

ou quem sabe da ENRON, falida empresa de geração de energia que empurrou, com milhões de "argumentos", usinas termoelétricas movidas a gás, para defender seus caraminguás na Bolívia...collor e ffhhcc adoraram e idéia, e depois, o "presidente príncipe da sociologia" passou "a batata quente" para o lula, com o apoio do PIG...

é muita idiotice...taí mais um leitor de veja com seus comentários a lá diogo mainardi...

Anônimo disse...

A crítica a Eduardo Paes é absolutamente injusta. Se o candidato eleito estivesse preocupado com as questões materiais da cidade ainda seria um grande avanço. O problema não reside na concentração das preocupações nas questões materiais. Aliás, um prefeito DEVE sim se preocupar fundamentalmente com isso, pois para as questões espirituais já existem os sociológos e demais sacerdotes e membros de outras seitas religiosas.

Abraços do Beremiz

Roberto Torres disse...

Bem, dado ao estilo grotesco de expressar os próprios ressentimentos e a confusao eterna entre a necessidade de pragmatismo no voto e e imperativo de distanciamento na análise crítica sei bem quem é esta berenice, rs.

xacal disse...

Porra berê,

aderiu a "cientologia" do tom cruise...?

viu a "luz"...?

ou acabou a cerveja...?

Anônimo disse...

A identidade e intimidade de Beremiz não está em jogo. Beremiz não importa. O que importa aqui é o que você pensa! rs,rs,rs... Um pouquinho de Nelson Rodrigues para nos alegrar.
Mas vamos ao ponto: Beremiz, de forma incauta, gostaria de perguntar aos oráculos da "ciência" deste blog o que o texto quer dizer com DECADÊNCIA? Beremiz, independente de concordar com partes importantes do texto, ficou com a sensação de que a política carioca já esteve em dias melhores. Se houve uma decadência, quando mesmo foi o ápice? Beremiz pede para que sejam didáticos, pois confessa que sabe muito pouco sobre História do Rio. Por isso, Beremiz só se recorda de Tenório Cavalcanti, Chagas Freitas, Lacerda, Brizola, César Maia, Conde, Marcelo Alencar... Saturnino Bragra foi a maior expressão da esquerda, né?! Ah ta...
Beremiz ainda se lembra do grupo carioca que acusava os eleitores “moribundos” do interior que elegeram Garotesco ao Governo do Estado, assim se diziam prejudicados pelo populismo e pretendiam voltar a se tornar uma espécie de Cidade-Estado. Seria uma forma de se livrar o pesado fardo de carregar nas costas todo o Estado do Rio de Janeiro! Quem será que esse grupo apoiou nessas eleições de ouro do Rio?
Sinceramente, Beremiz acha que o “Rio” continua “Rio”. Não houve qualquer modificação substancial, não houve decadência. Esse “Rio” que vimos nessas eleições sempre foi o mesmo “Rio” de sempre. Quiçá o mesmo “Rio” que acusa a corrupção dos guardas, mas é o primeiro a oferecer uma “recompensa” para se livrar da multa de trânsito. O mesmo “Rio” que acredita que não paga o IPVA porque o Estado não o investe. O “Rio” que desconhece o que acontece nas costas do Cristo Redentor. O “Rio” que critica tudo e todos, menos a si mesmo. O “Rio” que fantasia o dia que esteve no auge para simplesmente acreditar que hoje há decadência. Para alegrar Roberto: esse “Rio” é bourdiano, pois esse “Rio” permanece “Rio”.

Anônimo disse...

Beremiz ainda gostaria de explorar um pouco mais os oráculos, por que motivo mesmo Gabeira fez oposição ao Governo Lula?

E o ilustre PT do Rio, por que motivo mesmo perdou ter sido achincalhado pelo Eduardo Paes na CPI? Se contentou com o pedido de desculpas?

Agora Beremiz queria uma sermão de sociologia: o que significa ser autêntico sociologicamente? Existe um estilo de vida ideologicamente autêntico?

Grande abraço do Beremiz

Roberto Torres disse...

Também sei que Beremiz adora Nelson Rodrigues, rsrsrs.Olha, eu concordo plenamento com tudo que voce falou sobre o Rio. Nunca morei aí. Mas todo contato que tive sempre me confirmou essa visao narcísica do burgues bo
a praca do "Rio". Só que devemos sempre buscar as clivagens sociais que sustentam esse o "Rio".Também acho que o título do texto é ambíguo e acaba sugerindo que um auge dessa identidade, embora todo o seu conteúdo seja claramente contrário a isso.

Estilo de vida ideologicamente autentico eu nao sei nem o que é... quanto mais quem pode ter. Agora, isso nao siginifca que a sociologia nao possa embasar julgamentos morais sobre a realidade, embora eu nao ache que ela deve profetizar nenhum ordem moral.

Um abraco,

Roberto Torres disse...

ah, eu abomino a idéia de autenticidade. Acho que ela á o cume da falácia burguesa sobre sua própria forma de viver.

Roberto Torres disse...

mais uma coisa: peco realmente desculpas por vasculhar sua identidade. Isso nao foi generoso de minha parte sabendo que voce faria essa provocacao do sociologo profeta com seu proprio nome.

xacal disse...

se a vaidade é a mãe dos pecados capitais, a autenticidade é mãe dos fascismos...

bill disse...

Tá faltando o Vitão no debate...