terça-feira, 6 de maio de 2008

A maldição da técnica e a sociologia autoral

Cresci ouvindo meu pai dizer que Garrincha era insuperável. Sua habilidade, sua ginga, sua imprevisibilidade faziam qualquer marcador se tornar meros “Joãos”. Nem a força era capaz de detê-lo, não obstante as intensas pancadas que levara no joelho.

Não assisti Garrincha ao vivo. Sou da época do Romário. Esse também não gostava de treinar, fugia do alojamento, da concentração, gostava mesmo era das noitadas e das mulheres belas. Mas treinar mesmo, nada! É chato, cansativo. Isso é para quem não tem habilidade, ginga.

Nem Garrincha, nem Romário são jogadores de técnica. São gênios. Possuem habilidades natas. Com eles nada de repetição exaustiva. Foram imprevisíveis, e dessa imprevisibilidade surge a genialidade.

Na sociologia, muitos pensam assim. Não precisam de treinamento, não há técnica, não há trabalho exaustivo. Essas atividades são relegadas à segunda categoria. Coisa para quem não é habilidoso, não possui ginga.

Técnica e habilidade são conceitos opostos para muitos. A técnica é o sinônimo do desencantamento do mundo. Partitura que nada! Algo previsível, chato, exaustivo, cansativo. O importante é tocar de ouvido. Nunca ouvi dizer que o Garrincha tivesse técnica. Essa era um recurso dos que não podiam ser um Garrincha.

A sociologia que fazem não gosta de Bach, ela é devota do Blues. O improviso é a glória maior do artista, assim como dos sociólogos. O que conta não são as intensas horas de exercícios do Baden, mas a embriaguez encantadora e sedutora do Vinícius.

Citam autores como evangélicos os versículos. Conhecem as notas de rodapé inseridas na 4ª edição da mais importante obra de Tocqueville, mas não se conseguem discutir os desafios do conceito de democracia. Faz-se sociologia autoral, mas não discutem os conceitos. Estudam-se os autores, esquecem-se da obra. São os especialistas em autores. Não se discute questões, discutem autores.

Esse um vício que é presente desde a graduação. Vejam os currículos das disciplinas chamadas teóricas, nelas não existem temas, existem autores. Todas começam com Marx, Weber e Durkheim. Todos leram os chamados três porquinhos. Os autores contemporâneos, por serem menos famosos, são reunidos em escolas. Vão-se agrupando os autores. Nada de temas, somente autores.

Quando falam do Brasil, repetem seus ídolos e acusam ser o personalismo o problema maior. Não conseguem perceber que assim o são no próprio exercício da sociologia.

Dificilmente se vê estudantes de ciência política que gostem de eleições, gostam mesmo de Hobbes! Estudar eleições é contar voto, coisa menor. O negócio é estudar Montaigne. Que instituições políticas que nada! A onda sempre foi pensamento social.

Não nego que há gênios na sociologia. Entretanto, como no futebol, onde não se encontra Garrinchas em qualquer esquina, ou na música que não se faz um BB King ou um Vinícius em qualquer botequim, a sociologia brasileira está cheia de Odvans e Alexandres Pires!

15 comentários:

Vitor Menezes disse...

Rs rs rs, e assim como disse Hobbes, até admitimos a existência de alguns gênios, mas sempre acreditamos estar acima da média (rs rs rs).

Fabrício Maciel disse...

Belo texto Vitor, só peca quando diz que aqueles que criticam o personalismo, e eu sou um deles, erram do mesmo jeito. Aqui você não leva em conta que as idéias defendidas contra o personalismo é que são importantes, e não a postura de autores específicos, como você mesmo tentou criticar com a boa idéia de sociologia autoral. A crítica ao personalismo inclui também mostrar que ele sim é uma sociologia de autores, e não de idéias.

VP disse...

Fabricio,

Nao me referi a todos autores que falam do personalismo.

Abracos,

Vitor Peixoto

VP disse...

Vitor Menezes,

O problema nao e se considerar acima da media. O problema e a media!

Vitor Peixoto

Roberto Torres disse...

Adorei vitor! A sociologia brasileira está cheia de perna de paus e nada mais. Acho que nem Obina. Por que este faz o básico e muito bem! Como os botafoguenses viram domingo. A sociologia brasileira, sua hortodoxia fundadora que ainda domina a anpocs por exemplo, não se emancipou ainda do culto aos autores, como adornos para carreiras bacharelescas que precisam de aura. São linhagens weberianas, como na usp, linhagens do pensamento social brasileiro, de puro erudicionismo, como vc conhece bem do IUPERJ. Na verdade, os autores são reduzidos a personagens miticos, cuja referência possui uma espécie de poder mágico de transubstanciação que transforma nulidades intelectuais em doutos na compreensão do Brasil. Veja o GT de pensamento social brasileiro na ANPOCS, por exemplo. Mas, na sociologia mesmo, eu acredito que um certo vínculo aos autores, sobretudo aos clássicos e aos contemporâneos de maior genialidade no enfrentamento de questões centrais, é necessário justamente para estabelecer continuidade com questões e temas, a dimensão verdadeiramente importante da ciência. Acho vale a pena tentar compreender para que serve a nossa "sociologia autoral", a que interesses opacos de legitimaçao ela presta serviço.

George Gomes Coutinho disse...

Concordando mais uma vez sem dúvidas qualquer idiota pode ser um erudito (embora q esse tipo específico de idiota seja demasiado raro).

E sim a adesão a autores como estes objetivando uma tradição de determinadas abordagens teóricas e empíricas é importante.

As ciências naturais não precisam de "autores". Nós sim.

Brand Arenari disse...

Estou louco para entrar neste debate, o problema que ele é muito emocional, por isso tenho medo de entrar. A comecar pelo choramingo do meu amigo Vitor. O problema de nossa sociologia nao está num suposto exagero "teoricista", mas sim na falta de uma esfera de debates madura, onde o valor "conhecimento" se sobreponha sobre outras esferas, como política ( no sentido mais amplo da palavra) por exemplo.
Vitor até entao eu achava q vc era vascaíno, mas falando assim do garrincha e chorando tanto acho que vc virou botafoguense. Ninguém cala esse chororô!!!!!

bill disse...

Existe um problema oposto ao que vc escreveu: a negação dos clássicos pela incapacidade de apreendê-los ou criticá-los. A este chamaria de resentimento teórico, e faz com que nossa ignorância a respeito dos autores fundamentais seja mascarada por tabelas e números... a matemática, às vezes, é a doença infantil da burrice. Isso e o que vc escreveu, vitão, são duas calamidades.

VP disse...

Não nego o exagero oposto, caro Bill! Vc sabe muito bem disso, tivemos longas conversas sobre isso. Sofro cotidianamente com esse mal, trabalho arduamente para tentar compreender a matemática e não deixarem me enganar com malabarismos estatísticos.

Sabe também da minha opinião acerca da necessidade de alguém precisar de outro para se fazer entender. E ainda se fosse somente para se fazer entender... ainda vai...

Julgo não ser necessário confessar minha burrice para compreender certos autores. Acho que vcs me conhecem muito bem. Somos somente nós mesmos que lemos uns aos outros aqui, por isso a franqueza, nisso incluo o amigo Xacal. Mas posso dizer: não entendo vários! E não entendo porque não consigo entender.

Outros autores já julgo que não disseram muito além da compreensão, mas seus intérpretes jogam muito mais para a platéia e esquecem-se do gol. Inventam falsos problemas para justificar falsas necessidades.


George, também não nego que seja importante os autores. Mas desde que estejam abaixo dos temas a que se propuseram a analisar e aos métodos (sejam quais forem) que inventaram. O mesmo feitichismo que há com tabelas e números, há ainda mais forte com autores. Para mim constituem atalhos informacionais importantes para o debate. Além obviamente da propriedade intelectual (citação também serve para isso!).

E mais: a questão não é fazer banco de dados (apesar de achar que o Brasil investe pouco no IBGE e nos IPEA), o que falta é pessoal qualificado para analisar. As ciencias sociais brasieleiras deixaram isso para os economistas, como se nós fôssemos incapazes de cumprir essa tarefa. Aqui está meu ressentimento, Bill. E meu chororô também, Brand.


O meu problema não é ter esse contingente achando que se tornará um Simmel ou um Weber (a vida é feita de sonhos também), o problema que vejo é que nos negarmos a estudar métodos. Como se isso fosse uma coisa menor.

Como uma criança na favela que sonha em ser Ronaldinho Gaúcho, todos acham que serão craques milionários. A realidade do futebol é que mais de 80% mal ganha salário mínimo. Ninguém sonha em ser lateral, apoiador, goleiro. Todo mundo quer ser goleador. Não temos como jogar com 11 atacantes parados na banheira, esse é o problema. Ninguém quer correr, ninguém quer marcar, essas tarefas são menores, menos importantes... bla,bla,bla...

Quando entramos para as Ciências Sociais o fizemos porque gostávamos de História e odiávamos a matemática (grande maioria, pelo menos). Discordo da maneira que se abordam as questões metodológicas nos cursos de graduação. Começam com estatísticas antes dos conceitos metodológicos. Isso é um crime contra a própria disciplina . Daí surge o mágoa e o chororô de vcs também, né Brand?! Há necessidade de rever essa estratégia. Mas isso depende de rever o conceito da sociologia autoral. Não dá para ensinar métodos para quem quer ser especialista em Bodin e decide isso no primeiro semestre da graduação!

Quanto ao positivismo, não passarão disso. Continuarão acusando. Somente acusando. Ótimo!

Para mim basta, meus caros. Eu sozinho discutindo com 10 é cansativo. Daqui a pouco eu não faço mais nada. Além de ter de aguentar piadinha de quem não consegue distinguir os conceitos de "apartidário" e "suprapartidário". Essa é a prova da necessidade dos estudos teóricos e institucionais!


Grande abraço,

Vitor Peixoto

xacal disse...

me inclua fora dessa!!!essa "discussão e de vcs...tá divertido, podes crer...!e elucidativo também...!

só um "pitaco"...
um dos problemas das ciências, de todas as categorias (ou ramos) do conhecimento é superdimensionar sua importância em detrimento de outras...

esse é um fenômeno normal de afirmação daquele capital científico para ocupar espaço e influir, politicamente, nos rumos da sociedade, principalmente na luta ideológica que se trava pelo controle dos centros formadores de culturas e saberes...ou inteligências, como queiram...

esse foi um equívoco que mais afasta do que aproxima as pessoas de Richard Dawkins e suas teses "biologistas" para explicar a não existência de deus...

virou uma nova profissão de fé...uma fé atéia...

essa polêmica, repito é falsa...
números, ensaios, estatísticas, etc, se misturam e sobrssaem aos gosto dos interesses que tentam explicar os fenômenos...não há uma "pureza científica", nem na matemática, nem na sociologia...

citei no outro post...uma das propostas mais interessantes, e assustadoras, que ouvi sobre criminalidade e a diminuição de seus índices tem haver com a liberação de abortos, e o efeito que o não nascimento de filhos "indesejados" tem na curva da violência...

mas é claro...seria desonestidade atribuir a esses números FREAKONOMICS uma preponderância absoluta...

no entanto, isso não diminui seu impacto como referência na problema...

abraços, e continuem...tá na hora "de lavar a roupa suja na academia", hehehe

PS: prometo que ficarei quietinho, só obervando..heheh

bill disse...

Pô vitão! Cara, em nenhum momento do texto me referi a vc, busquei acrescentar ao seu argumento, já que concordo com ele. Por isso disse das DUAS calamidades, a que vc aponta e aquela que eu aponto. Não use a calamidade por mim apontada em vc, assim como não tomei as dores por aquilo que vc escreveu. Ora! Escrevo isto em um momento que analiso tabelas e gráficos sobre nossa produção científica! Em que aponto, de acordo com as tabelas, o sucesso ou não de nossa política científica. Grande parte do que busco hoje decorre daquelas discussões a que vc se refere acima, das quais depende minha concepção hoje do que seja a ciência social.

Abraço.

Roberto Torres disse...

Vitor, topas um outro foco no debate? Que tal discutirmos algo que tem sido central neste blog? A importãncia do tema das eleições. Do jeito que vc fala, parece autoevidente que, uma ciencia da politica, deve se preocupar com eleicoes como a unidade analitica mais importante e capaz de nos mostrar o curso do poder. Claro, o poder politico e identificado como o poder que se exerce a partir do estado. Talvez um grande risco de rejeitar os autores em nome dos temas seja abraçar os temas que colocam para ciência, ou seja, praticar uma ciencia cujo paradigma ela recebe do senso comum.

VP disse...

Nao entendi, Roberto. Vc pode explicar melhor?

Eu nunca disse nada a respeito de rejeicao de autores. Apenas nao concordo que todos nos devemos nos debrucar somente sobre eles. Tenho sim uma visao utilitarista, defendo que autores devem servirnos para compreensao do mundo que nos propomos a explicar.

Ai a diferenca, a questao a que me referi era que os autores estavam sendo o objeto primeiro de analise. E somente eles. Uma despreocupacao com o mundo tipica dos filosofos. A vida ordinaria fora relegada a terceiro ou quarto planos. A sociologia que se faz e quase um meta-analise. Isso para mim e importante tambem, mas feito pela sociologia da ciencia e pelos filosofos. Nao por todos os cientistas sociais. Essa contemplacao de quinta categoria que assistimos cotidianamente.

Tenho visto muitos esforcos recentes e importantes. Vcs mesmos que gravitam em torno do Jesse tem feito grandes avancos nessa area. Acompanho entusiasmado, vc sabe disso! Como eu mesmo ja acompanhei os esforcos do Bill (inclusive pessoalmente na Fio Cruz!), assim como acompanho os esforcos do Brand.

Sinceramente, nao sei porque vcs se morderam todos.

Agora repete a pergunta ai que eu viajei... RS,RS,RS...





Abracos,

Vitor Peixoto

Roberto Torres disse...

O vitor, a gente mordeu bastante? rsrs

Minha proposta é simles: discutir o lugar do tema das eleições nas ciênciais sociais.

George Gomes Coutinho disse...

hã, só para tornar cristalino o debate: aviso q não mordi coisa alguma hein?