sexta-feira, 30 de maio de 2008

Sobre o aprofundamento da crise da legitimação da classe política campista

Jürgen Habermas na década de 1970 produziu o seu clássico estudo sobre as profundas modificações ocorridas no mundo na esteira da grande crise de petróleo de 1973/1974. Analistas contemporâneos, virtualmente ou não vinculados ao que concebemos como “teoria crítica”, asseveram que as conseqüências desta crise perduram até o nosso ainda neófito século XXI.

Retornando a Habermas este elabora em amplo espectro os determinantes da crise da década de 1970, sob uma análise fortemente sistêmica e complexa, onde são dissecados os elementos econômicos, administrativos e até ambientais da crise em suas múltiplas reverberações. E os impactos dessa crise geram fortes e inequívocos abalos em uma parte sensível da sociedade, a sua esfera pública, onde são produzidos intricados e delicados processos de legitimação e/ou deslegitimação de projetos e demandas provenientes dos diferentes estratos onde, discursivamente, estes são vocalizados. Como um dos reflexos desta crise podemos ver, nitidamente, os processos de destituição da legitimidade do Estado de Bem Estar Social na Europa, muito bem descritos por Pierre Rosavallon para o caso específico francês, que até a década de 1970 era visto como um aparato inabalável. Afinal, fora as críticas de autores frankfurtianos e o neoliberalismo de F. Von Hayek, ninguém em sã consciência imaginaria a redução do Estado Social Democrata tal como acompanhamos nos últimos 30 anos.

Prosseguido, processos de destituição de legitimidade podem ter, como teorizado por Habermas e descrito por Rosanvallon, repercussões na própria ossatura social das diferentes formas de constituição da modernidade. Afinal, os processos de legitimação são fundamentais em sociedades secularizadas, não mais dependentes de autocompreensões transcendentais.

Neste sentido estamos no epicentro de um enorme processo de deslegitimação do que o pensador elitista Gaetano Mosca do século XIX chamava de classe política (agrupamento social especializado em manter-se no poder) em Campos. Não é meu objetivo aqui discutir os limites deste corpus teórico, apenas me utilizarei desta nomenclatura em um sentido de reconhecimento da complexidade da sociedade contemporânea e do decorrente processo de constituição de diferentes especializações funcionais de atuação e, partindo do princípio de que a política não esteja além desta sociedade, também nesta possamos encontrar um agrupamento social especializado em fazer da política especificamente um meio de vida. Então, para Campos dos Goytacazes, defendo que esta noção de “classe política” possa ser aplicada dadas as características desta em que encontra-se um descomunal vácuo programático, com baixa alternância de poder em sua história recente (o mesmo grupo há 20 anos no poder) e, evidentemente, onde estruturam-se enormes redes clientelistas e anti-republicanas expressas, por exemplo, nos precários vínculos de trabalho no poder local onde exerce-se no cotidiano uma gramática anti-meritocrática. Isto nos faz interpretar que majoritariamente a classe política local, mormente fisiológica e justamente por conta disto, tenha o espaço “político” como meio de vida. E não muito mais do que isso.

A desligitimação desta classe política decorre das imputações morais provenientes da ventilação, em mídia aberta hegemônica ou alternativa, das investigações e acusações sobre o legislativo e o executivo local. Já é de conhecimento geral agora de que TODOS os vereadores de Campos dos Goytacazes serão indiciados pelo Ministério Público. No executivo, mesmo com permanência do prefeito Alexandre Mocaiber este sofre mais uma ação pelo Ministério Público Estadual acerca de possível fraude em licitações públicas, além da acusação de formação de quadrilha. O ex-governador do estado do Rio de Janeiro, e notável quadro egresso da política campista, encontra-se também em processo de investigação pela Polícia Federal sendo acusado de ser o mentor político de pesado esquema de ilicitudes inúmeras praticadas com a insígnia da Polícia Civil do estado. Todas estas acusações/investigações encontram-se sob farta divulgação da mídia local e nacional. A despeito da polarização destas a sociedade civil debate os rumos dos acontecimentos na combalida, e pouco reflexiva, esfera pública local.

Ainda, em diferentes círculos sociais, como o do agrupamento de empresários da construção civil local, os reveses deste processo são sentidos em seus próprios bolsos. Compras de apartamentos efetuadas por indivíduos sobre suspeição não foram consolidadas causando prejuízos. Mesmo o comércio local deve estar amargando a retração decorrente dos pés de barro de uma economia alicerçada sobre critérios imprevisíveis de ação do poder local. A capacidade de atração de investimentos, no médio prazo, diante de uma classe política praticante de espoliação do patrimônio público pode trazer problemas ainda mais graves. Mesmo o crédito pode tornar-se caro, afinal, já sabemos que há muito diz-se que “a campista nem fiado nem a vista” gerando um déficit profundo de confiança no mercado local que atinge os municípios vizinhos multiplicando entre si que a moeda campista possa ser moeda podre em uma sociedade de baixa confiabilidade. Eis os resultados do chamado “custo corrupção” que grassam pela planície.

A estrutura clientelista em que parte da população encontra-se enredada, como na situação dos contratos, desfaz-se como um castelo de areia neste turbilhão de instabilidade institucional. A dança de cadeiras dos milhares de cargos comissionados geram a fúria, justificada ou não, de apadrinhados contra seus padrinhos o que nos permite vislumbrar que os custos têm se tornado altos demais para a permanência destes DAS visto que estes cargos em si são, usualmente, moeda política apenas. Os fiéis apadrinhados talvez não o sejam mais tão fiéis em muitos casos. As peças do jogo podem ser repostas, reposicionadas e descartadas de acordo com a vontade do jogador que as manipula. Eis o ponto de fragilidade desta perversa relação em que é praxe o abandono sistemático de critérios técnicos. Como na dialética do senhor e do escravo, padrinhos e apadrinhados saem deste jogo com um triste resultado de soma negativa.

Na Campos de hoje vemos falarem, a despeito do agrupamento social, em uma necessidade de “limpeza”, termo de fortes conatações simbólicas, quando se fala sobre a política e os políticos locais. Eis o sintoma da crise de legitimação que reforça a particularidade do momento histórico em que vivemos. O ônus para a política local é, em minha perspectiva, incomensurável. Afinal, epítetos como “ladrão”, “pilantrinha”, “corrupto”, “safado” são repetidos ad nauseam pelos egressos do “Muda Campos”, a despeito do lado que ocupem neste momento, o que pode gerar a tragicômica interpretação do “homem comum” que possivelmente todos estejam corretos e que a política local seja caso de polícia somente. Notável que estes epítetos são reproduzidos e incentivados por parcela da imprensa local o que só ilustra a estreiteza do debate.

É lamentável que agrupamentos que poderiam apresentar-se como alternativa, em que poderiam lutar pela herança de processos de “boa política’ ainda encontrem-se com os olhos voltados para formas de se fazer política que neste momento encontram-se condenadas pela judicialização e policialização da política local como nos lembra Vitor Peixoto. Deveriam neste momento é discutir e convencer que sua proposta e seu ethos difere substantivamente dos que até então ocupavam/ocupam o poder. Que representam o outro lado de uma classe política. Caso contrário ao homem comum restará meramente continuar no aprofundamento deste processo de deslegitimação que pode não ter retorno.

George Gomes Coutinho

2 comentários:

xacal disse...

Caro George,

O que me espanta é que momentos como esse, ao longo da história, produziram rupturas institucionais importantes...

Essas cisões funcionaram, de certa forma como instrumento "purificador"...

No entanto, ao que me parece, o processo que você denuncia com maestria produziu uma apatia cívica tão profunda que as forças políticas que poderiam apresentar um legado de mudança tornam-se meros repetidores dos chavões, sem diagnosticar, nem arranhar as estruturas do modelo que se perpetua, em um moto-contínuo, como se tivesse vida própria...!

Desse "caldo" poderá ressurgir espectros ideológicos ultraconservadores, para configurar o que se chama de protodemocracia...

Insttuições formais com alma de opressão e supressão da alternância de poder...

Anônimo disse...

O populismo que veio de Campos para o Palácio Guanabara

Publicada em 30/05/2008 às 00h14m
O Globo


RIO - A primeira polêmica do controvertido período Garotinho no estado surgiu logo no processo eleitoral, em 1998. A aliança com o PT, que deu o tempo de TV e a estrutura necessários para a vitória do ex-governador Anthony Garotinho na disputa estadual, foi arrancada a fórceps. José Dirceu, que presidia o partido, chegou a intervir no diretório estadual para garantir a aliança com o PDT de Garotinho, sob protestos de petistas ligados à esquerda do partido.

Em 2000, rompeu com o PT e com Brizola. E começou a atravessar uma maré de denúncias - que marcaram sua gestão e a da mulher, Rosinha Garotinho, sua sucessora.

Ex-governador passou por quatro grandes partidos

Se não criou, Garotinho percorreu e movimentou quatro grandes legendas: PT, PDT, PSB e PMDB. As passagens pelo PDT e pelo PSB foram repletas de turbulências, assim como o desfecho das alianças eleitorais. Garotinho rompeu com Leonel Brizola, ao deixar o PDT, rumo ao PSB. Enquanto isso, a turma de Campos inaugurava a temporada de denúncias no governo: depois de pouco mais de um ano no cargo, alguns assessores foram envolvidos em denúncias de corrupção. A maioria pediu demissão, por orientação do então governador.

Nos primeiros dias da gestão Rosinha Garotinho, eleita no primeiro turno, um novo escândalo: o envolvimento de um de seus colaboradores em esquema de extorsão, remessa ilegal e lavagem de dinheiro, conhecido como Propinoduto. Há apenas nove dias no governo, ela decidiu exonerar Rodrigo Silveirinha, pivô do escândalo, da presidência do Conselho de Desenvolvimento Industrial do Estado, vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico.

O governo Rosinha também foi chamuscado com a denúncia de um suposto envolvimento com o esquema de corrupção que derrubou Waldomiro Diniz, então assessor do então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Ex-presidente da Loterj Waldomiro, em conversa gravada com o empresário Carlinhos Cachoeira, que seria bicheiro, acertava contribuições mensais de R$ 150 mil para Benedita da Silva (PT) e Rosinha Garotinho, ambas candidatas à época ao governo do Rio. As duas negaram o envolvimento.

TRE condena casal Garotinho por abuso de poder político

Mergulhados nas eleições municipais de Campos, em 2004, Garotinho e Rosinha foram denunciados pelo Ministério Público Eleitoral. O programa Cheque Cidadão, distribuído pelo estado, foi usado como moeda de troca na cidade, por aliados do casal, que apoiava Geraldo Pudim (PMDB). Nas últimas eleições, com o apoio de Garotinho, Pudim foi eleito deputado federal.

A participação do casal na campanha foi novamente alvo da Justiça Eleitoral. Rosinha e Garotinho foram declarados inelegíveis pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), por abuso de poder político, mas a decisão só poderá ser aplicada depois de julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Sempre de olho na repercussão de suas medidas administrativas, o governo Rosinha, com Garotinho de braço direito, chegou a empenhar, em um ano, R$ 100 milhões em campanhas publicitárias. Uma delas, no último ano de gestão, tentava imprimir ao governo a marca de ter realizado dez mil obras. A campanha informava que entre os governos de Garotinho (1999-2002) e Rosinha (2003-2006), o governo estadual tinha concluído este número de obras.

Reportagem publicada pelo GLOBO mostrou que muitas dessas obras jamais tinham sido concluídas ou sequer iniciadas. Algumas das ações contabilizadas eram pequenos reparos de manutenção em tubulações realizados pela Cedae em favelas. O Ministério Público abriu procedimento para investigar o caso e a campanha publicitária foi retirada.

No episódio mais dramático de sua passagem pelo poder estadual, Garotinho ficou 12 dias em greve de fome, em 2006, para protestar contra série de reportagens que mostravam a ligação entre empresas doadoras de sua campanha eleitoral à Presidência da República e ONGs que prestavam serviços ao governo Rosinha.

Greve de fome para protestar contra série de reportagens

Alvo das reportagens, iniciadas pelo GLOBO, o ex-governador se disse vítima de uma campanha dos grandes meios de comunicação e expôs diariamente seu protesto. Dormia na sede do PMDB, no Centro do Rio e chegou a ser internado, com desidratação. O partido, já dividido antes das denúncias, não deu legenda ao ex-governador. As empresas doadoras tinham sócios em comum com as ONGs contratadas pela Fundação Escola de Serviço Público (Fesp), do governo estadual.

Políticos com origem no interior do estado, Garotinho e Rosinha estavam até ontem eternizados em um banco de praça em São Fidélis, no Norte Fluminense. Por decisão judicial, com base na lei que impede homenagem com recursos públicos a pessoas vivas, as estátuas, lá desde dezembro de 2006, foram retiradas no mesmo dia em que foi anunciada a denúncia contra o ex-governador.