sexta-feira, 11 de abril de 2008

Campos dos Goytacazes no contexto político brasileiro

Produzir análises em momentos de crises é uma das tarefas mais difíceis para os cientistas sociais. Temos uma tendência quase que natural de nos concentrarmos nas especificidades do caso analisado. Determinadas características do objeto em análise possuem um força quase que magnética que tende a atrair nossos olhares como um ímã para aquilo que distingue e diferencia nosso caso dos demais. O que é absolutamente legítimo.

Não obstante, o foco nas semelhanças, no comum, no predominante ou mesmo nas permanências pode trazer importantes elementos para subsidiar e complementar as análises das especificidades.

Nesse sentido, o que Campos dos Goytacazes tem em comum com outros municípios brasileiros? Explicar a crise da política local exige mais do que olhar somente para Campos.

Neste ano, o País comemora duas décadas da promulgação da Constituição de 1988. Na perspectiva histórica, 20 anos podem parecer um período relativamente curto. Entretanto, intensas transformações marcaram profundamente as estruturas sociais, políticas e econômicas brasileiras. A descentralização administrativa, sem sombra de dúvidas, é uma das principais marcas desse período.

As autonomias financeiras e administrativas das unidades locais foram alvos de intensos debates muito antes mesmo da Proclamação da República. Um debate, portanto, que perdura mais de um século. Principalmente durante o período da ditadura (que teve a centralização como uma de suas características marcantes), a descentralização foi tratada como um dos principais elementos da democracia. Assim, os dois conceitos se confundiram mais do que nunca. Defender a descentralização era defender a democracia. Lutar contra a ditadura era lutar contra a centralização.

Essa simbiose conceitual ainda teve um argumento adicional de otimização do controle por meio da proximidade entre o mandante e mandatário. Em outros termos, os indivíduos teriam mais controle dos seus representantes pela sua proximidade geográfica. Ou seja, ter-se-ia maior accountability vertical. Diga-se de passagem, este argumento ainda permanece nos debates acerca dos sistemas eleitorais.

O incremento da autonomia das unidades locais foi seguido de uma intensa e abrupta criação de unidades administrativas municipais. Entre 1988 e 2001, foram criados nada menos que 1439 novos municípios, ou duas unidades a cada semana!

A criação de novos municípios se deu, principalmente, no âmbito do poder executivo e não foi acompanhada pela expansão das demais instituições de controle e contrapesos. O poder legislativo ficou refém, foi capturado na maioria dos municípios. Em alguns, não passam de meras extensões do executivo. Os vereadores se especializaram na prestação de serviços em detrimento da fiscalização.

O poder Judiciário ainda não conseguiu chegar com força nessas localidades. O Ministério Público, da mesma forma, encontra sérias dificuldades de se expandir e penetrar com eficiência. Em termos técnicos, pode-se afirmar que a accountability vertical não foi acompanhada da accountability horizontal.

Esse descompasso institucional é umas das chaves para entender o funcionamento do sistema. Como se sabe, os cidadãos necessitam de atalhos informacionais para realizar suas decisões, e quem as produz são exatamente as instituições de controle e contrapesos. A debilidade da accountability horizontal tornou ineficiente a vertical. A separação entre a horizontal e a vertical se faz apenas analiticamente, na vida real são inseparáveis. O que significa afirmar que uma não funciona sem a outra.

Longe de causar um pessimismo desalentador, a corrupção descoberta em Campos dos Goytacazes pode nos demonstrar que esse desequilíbrio institucional está em processo de declínio. As instituições começam a funcionar e o seu primeiro sinal de vida é exatamente o fato de deflagrar crises.

Isso não significa afirmar que Campos dos Goytacazes não possui suas especificidades e características próprias, ou mesmo que elas não sejam responsáveis pela situação atual. Não resta dúvida que um orçamento estrondoso propiciado pelos royalties é um dos elementos de suma importância para compreender o município. Mas antes de ser apenas um contraste, esse fator que diferencia pode ter funcionado como um catalisador das características comuns aos demais municípios brasileiros.

Os argumentos expostos acima talvez contribuam para explicar o fenômeno atual, mas o que diz acerca do futuro próximo? O que nos espera mais à frente? Se o que aconteceu é fruto de um amadurecimento das instituições de controle e contrapesos, poderemos esperar dias melhores? Não sou muito afeito à futurologia, nem possuo mais o otimismo inadvertido da juventude. O que se pode esperar é que as conseqüências nefastas ocasionadas pela corrupção do poder público permaneçam por algum tempo.

A corrupção não foi somente no poder executivo e legislativo (este ainda permanece intocado apesar de ser importante engrenagem do sistema). Contaminou grande parte das classes médias com seus negócios extremamente dependentes do Estado. Os sobreviventes foram os que se especializaram na corrupção. Será que sobreviverão num sistema menos viciado e independente do poder público?

A prefeitura constituiu-se como principal empregador do município, a ponto das demissões dos contratados deflagrarem crise no comércio local. Qual setor econômico conseguirá absorver o contingente de 20.000 desempregados? Quais serão as conseqüências imediatas para a economia local?

No âmbito da política eleitoral, o cenário é assustador. Pois, o grupo que parece se beneficiar com a crise é exatamente o que deu origem ao grupo deposto. A imprensa local é concentrada e dominada por esses dois grupos.

Se existe alguma ponta de esperança para além de o amadurecimento institucional, ela se encontra na possível constituição de uma rede da organização civil fora da política eleitoral tradicional. Talvez um ensaio que poderia ser chamado, sem muita precisão conceitual, de um esboço de esfera pública habermasiana.



Um comentário:

xacal disse...

Caro Vitor, parabéns a você aos seus "cúmplices" por esse espaço...

Xacal não entende de porra nenhuma, é semi-analfa, mas vai meter sa colher suja no seu guisado...

Há uma "esquizofrenia" institucional no Brasil, que se evidencia em cores fortes no sistema jurídico nacional, coluna dorsal do Estado, explícita na expressão "Estado de Direito"...

Ora, nosso sistema jurídico infra-constitucional permanece atrelado a verticalização que você denomina vertical accountability (ui..que chique)...

De quebra, as instituições que operam o sistema:polícia e MP padecem do mesmo "mal"...

Aqui há uma Constituição garantista que colide com distorções graves como:foro privilegiado (inclusive para juízes e promotores), prisão especial, juizados especiais, etc...

O que poderíamos chamar de aberrações, na verdade são a gênese do sistema, e da organização estatal brasileira: vertical e patrimonialista...que resiste a horizontalização das instâncias de poder...

O maior risco para nós é que, mesmo diante desse aparato jurídico excludente e anti-constitucional, permitimos, e até solicitamos, sua intervenção nas esferas alheias às suas atribuições precípuas:fiscalização e punição para as transgressões legais...

Desse jeito nossa sociedade abre mão de exercer a política como instrumento de mediação dos seus conflitos, e delega essa tarefa ao estado policial...

O combate aos desvios e métodos escusos de gestão e manutenção do poder deve estar restrito ao seu alcance, ou seja, é uma tentativa de reequilibrar um jogo que por si já é desigual, como uma luta de peso pena com peso-pesado, dada as ferramentas institucionais e econômicas que cada diferente classe social possui...

Esse alcance seria, utilizando a metáfora do esporte, uma antidopagem...

Mas os comitês antidoping não podem suplantar a atividade esportiva em importância...pois afinal ela é a sua razão de existir...

Campos, sofre dessa "judicialização" como resposta a "prefeiturização" das relações que deveriam estar "fora" do universo administrativo...

Pelo seu apelo moralizador, essa parece uma escolha saudável...não é...a saída é política e da sociedade civil...sempre....