Carta de Perto[1] – Divagações sobre as últimas movimentações da sociedade civil em Campos dos Goytacazes – RJ
Acompanho interessado os últimos debates destas fontes aparentemente inesgotáveis de análise, os blogs campistas, nestes momentos de profunda e grave crise institucional local. Meu interesse é triplo: sociológico, por conta de sua efervescência; político, por representar a possibilidade do questionamento de condições estruturais de repartição e distribuição do poder; e, por fim, cidadão, por minha estima pelos rumos desta cidade na qual fixo residência e nesta pagar impostos além de desejar, como suponho ser o desejo da maioria, um futuro melhor para Campos por conta de minhas inúmeras memórias sentimentais positivas apesar de tudo.
Há, neste momento, a adesão clara a um movimento, basista, progressista e que se reivindica como horizontal, de questionamento das estruturas de poder. Composto por um estrato que não é representado pela política dominante contemporânea de Campos (profissionais liberais autônomos, pesquisadores, funcionários públicos independentes do poder local, membros de uma classe média radical, produtores e organizadores da cultura, etc.) o movimento reivindica a demanda pela punição dos quadros envolvidos em corrupção que há muito lotearam o poder local. Esta é a reivindicação de curtíssimo prazo representando por uma forma de ação coletiva que visa constranger o judiciário a cumprir seu papel civilizatório no Estado Democrático de Direito punindo todos aqueles que tiveram acesso excepcional e particularista ao erário público, evitando que decisões judiciais atabalhoadas como a última ocorrida na semana passada aconteçam novamente.
Atentando para os comentários e comentaristas presentes nos diferentes blogs representativos deste grupo de manifestantes legítimos vejo uma persistente acusação, por seus detratores, que me soa como interessante e pedagógica para os fins aos quais esta movimentação de parcela da sociedade civil representa. Membros de estratos do poder local, que estiveram de forma ou de outra ocupando este nos últimos 20 anos (?!?), ora acusam a manifestação de ser aparelhada por grupos do Partido dos Trabalhadores local (acusação estranha pois parte do PT tomou parte no governo Mocaiber) ora acusam a manifestação em si como dotada de ausência de conteúdo político. Por ter como palavras de ordem um “FORA” generalizado os atuais agrupamentos que dividem ou almejam retornar ao poder local, ao não ver seus ícones contemplados por esta manifestação, buscam deslegitimar ou cooptar a manifestação e seus atores porque assim atuam há 20 anos.
Eis o ponto em que desejo chegar, algo que já apresentei aos colegas colaboradores deste blog em off. Todos percebemos um vácuo político, ao menos no que entendemos como alternativa consolidada ao poder local, e, conseqüentemente um vácuo de poder propriamente dito nesta manifestação, o “Chega de Palhaçada”, sem dúvidas. Também apreendemos que a manifestação é difusa em seus propósitos carecendo de maior objetivação neste sentido, além da ausência de maior clareza de posicionamento que possa ser identificado sem dificuldades atrelado a uma pauta de reivindicação sistemática.
Asseguro que não estou com os detratores. E este caráter difuso em minha leitura é uma virtude particularmente neste momento histórico. As possíveis falhas não permitem que acusemos o movimento de “apolítico”.
Na verdade considero este movimento singularmente interessante politicamente justamente por apresentar a ausência de referências no poder local tal qual conhecemos. Os atores envolvidos, em número diminuto, ao bradarem um sonoro BASTA materializam a crise e a ausência de legitimidade de um modus operandi que dominou o espaço público local nos últimos anos. E como Arenari já demonstrou com sólidos argumentos esta mudança ocorrida há 20 anos atrás apenas representou a atualização histórica de formas de dominação pretéritas.
Há uma importante fenda histórica aberta neste momento de crise de legitimação das lideranças locais constituídas e esta manifestação é um importante sintoma (mais uma metáfora médica). Inclusive seus representantes intelectuais encontram-se atordoados, atuando nos tradicionais aparelhos privados de hegemonia ou no anárquico universo dos blogs. Acostumados a analisar o mundo como “os conosco e os sem nosco”, buscam deslegitimar este movimento espontâneo pelo simples fato dele não se enquadrar em sua tradicional cartilha de atuação política na planície. O seus intelectuais tradicionais não detém o necessário instrumental analítico para compreender a natureza deste tipo de manifestação. Assim como não entenderam a campanha pelo Voto Nulo em 2004.
Inclusive, algo que demarca de maneira flagrante este manifestação de outras que já vimos ocorrer ultimamente em Campos, creio que não haverá claques pagas ou grupos de classe média cooptados pelo poder local na manifestação, com as já desgastadas e vazias palavras de ordem. Nem fotos em camisas com corações, pedidos de paz, etc..
Em suma, acredito que no substantivo esgotamento de um modelo de fazer política vigente temos duas possibilidades. Em um primeiro cenário grupos não alinhados compreendem a oportunidade histórica e empreendem uma aliança calcada nos valores, mesmo não sistemáticos, que calçam o movimento “Chega de Palhaçada”. Isto significa o o resgate e o término da missão histórica traída pelos próprios grupos do “Muda Campos” de outrora agora encetado por agrupamentos progressistas radicalmente urbanos.
Em um segundo cenário nos resta o cinismo de mais um escopo de candidaturas futuras apoiadas pelos aparelhos tradicionais privados de hegemonia. Aí, lembrando mais uma vez Lênin, será um passo para frente e dois para trás na possibilidade de punição dos grupos envolvidos nos últimos eventos de corrupção. Eis o crime e o castigo já denunciados por Renato Barreto na sua lembrança da literatura de Fiodor Dostoiévski.
George Gomes Coutinho - doutorando em sociologia política UENF
(Texto editado e atualizado em em 23/04/2008 - 23:31 Visando tornar claro alguns pontos obscuros ao leitor)
[1] Trata-se de uma pequena private joke com meus companheiros colaboradores. Em períodos pré-revolucionários no início do século XX, que permitiriam a experiência do socialismo real soviético, V.I. Lênin exilado escreveu suas “Cartas de Longe” sobre a conjuntura russa. No nosso caso, como sou o único dos colaboradores deste blog que ainda encontra-se por aqui em Campos dos Goytacazes fisicamente, mesmo que momentaneamente, chamo esta de “Carta de Perto”.
8 comentários:
Caro George,
Já qe vc citou Lênin, vamos lá...
Não dá para queimar etapas, e compreendo a preocupação dessa história não se tornar um "cansei"...
Corremos o risco...
Mas as possibilidades são animadoras, se considerarmos o que tínhamos dois meses atrás, e o acumulado até agora...
Não basta...é certo...mas creio ser necessário que as pessoas se juntem primeiro, e aí então sedimentar as bases desse movimento político de superação do modelo vigente...
Creio que as pessoas enxergam esse processo, e têm esperanças heterogêneas em relação ao seu desfecho, mas há pelo menos um ponto de convergênca,que é iumportante e vc cita: com esses que aí estiveram por 20 anos, não dá mais...
Não tem mágica, ne receita...é construir o caminho no ato de caminhar...
Entendo o que você diz Xacal,mas também fico com esta dúvida pois "na hora do vamu ver"é a velha poítica formal que é a que vale.A não ser que,(e é nisso que me apego)o movimento cresça a tal ponto que leve o(s)partido(s) a ir(em) mais longe do que planejavam seus dirigentes e por exemplo possibilite lançar uma candidatura que represente a mudança que queremos.vamos a luta!
Obs:George,boa lembrança da nossa campanha pelo voto nulo no 2ºturno das últimas eleições municipais.Faz pensar o quanto equivocado foi o raciocínio daqueles que defenderam que valia tudo e com qualquer um ,pra derrotar(com licença Xacal)o"Napo" da lapa.
Prezado Xacal,
Acredite.. Neste momento estou tentando dosar o otimismo da vontade com o pessimismo da razão.
Sem dúvida há tarefas históricas complexas a serem enfrentadas. E para obter sucesso, mais uma vez, é necessária a análise concreta da situação concreta.
Abçs
George
Queridos amigos...
Esse é o dilema do exercício da política e de sua práxis...
Dosar razão, otimismo e agitação propagandística....
Também tenho essas preocupações, mas creio haver momentos e momentos para ponderar sobre tudo, e com certeza, agora é hora de tornar esse movimento um enorme demonstração de força....
Sem dúvidas Xacal.
E espero, mesmo, que as advertências da análise surtam efeito. Entenda que é dever do ofício.
Claro que é de nosso interesse ver uma sociedade civil forte e autônoma. E reconheço, como disse no texto, a necessidade de se concluir a missão histórica iniciada há 20 anos.
Abçs e estarei lá no sábado!
Resta ver como se dará a articulação dos grupos aqui reunidos após a manifestação, na medida que o poder de influência dos mesmos em algum momento terá que opor as muitas leituras e expectativas acerca da mudança social às estruturas de poder balizadas pela política formal, como bem disse Renato. No entanto, podemos seguramente conjugar cetismo e vontade, e essa manifestação será um exercício legítimo de luta. Também estarei lá.
Caros Xacal, George, Renato e Paulo, a questão sobre a possibilidade de uma criatividade política fazer-se eficaz na "hora do vamu ver" precisa ser enfrentada, antes de tudo, pela identificação dos grupos sociais que dariam suporte e tal mudança. De seus interesses materiais e ideais, como diria Max Weber, capazes de produzir uma identificação coletiva a ser capitaneada por algum partido, candidatura, de esquerda claro. George fala de uma classe média urbana capaz de retomar o projeto "Muda Campos" e dar-lhe um outro.
Sim Roberto,
Acho que existe uma parcela da classe média urbana, medianamente letrada, capaz de fazer surgir uma via "ideológica" (não no sentido clássico marxiano) nestas eleições.
É ocupar papel de vanguarda política mesmo...
Mas veremos não é?
Abçs!
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