sábado, 12 de abril de 2008

O Privilégio de Classe no Emprego Público

Hoje é muito difícil encontrar uma família em Campos que não tenha pelo menos uma pessoa com um “emprego” na Prefeitura. O aumento gigantesco das vagas, a grande maioria delas com contratos (alguns anulados pela Justiça) precários e de curto prazo, tornou o “emprego público” pelo menos uma forte aspiração para todo campista. É claro que no Brasil todo é assim! Quem não quer garantir o futuro num emprego público? Com a raridade de empregos seguros no setor privado, apostar no concurso público virou a “onda do momento” para os que almejam a segurança econômica de longo prazo. Mas o que chama a atenção em Campos é que a multiplicação dos “empregos públicos” não significa, para a maioria dos “empregados”, nada parecido com esta tão sonhada segurança de longo prazo.
Nos últimos vinte anos, o crescimento do número de funcionários foi o crescimento de contratos de curto prazo (a maioria de seis meses) para “serventes” de todo tipo que conseguem seu “emprego” em escolas, postos de saúde e, mais recentemente, na guarda municipal. Em resumo, como o próprio termo “servente” já indica, o que mais cresceu aqui foram os “empregos públicos” para a mão-de-obra desqualificada. É claro que as “ofertas mais generosas” também aumentaram! As denúncia e suspeitas de enriquecimento ilícito de funcionários de cúpula, de vereadores e até de prefeitos não deixam dúvida quanto a isso. Como explicar isso? No dia a dia temos uma resposta fácil e rápida: os políticos chegam ao poder e distribuem os maiores privilégios para os seus amigos e comparsas. É o famoso “quem indica”. Assim, os desprivilegiados são os que não tiveram a sorte de conhecer um “pistolão” para arrumar um “emprego” na Prefeitura.
Essa explicação não é falsa. É inegável que conhecer pessoas, aqui em qualquer lugar do mundo, nos dá acesso a posições de prestígio, renda, etc. Mas essa explicação é o que podemos chamar de uma “meia verdade”, ou seja, uma “estória contada pela metade”. A metade que ela mostra é o efeito simples de causas um pouco mais complexas que ficam escondidas. Quando o “pistolão” surge para explicar porque umas pessoas conseguem certos privilégios na Prefeitura e outras não, esta “explicação” ignora a origem da relação entre este “pistolão” e seu “beneficiado”. Não se pergunta por que umas poucas pessoas tornam-se os “pistolões” e outras tantas seus eternos clientes. O efeito de todo o privilégio, a condição de ser um “pistolão” capaz de agregar e subordinar pessoas através de cabides de emprego, é vista como causa de todos os males sociais. Do mesmo modo que a corrupção do Estado é apontada como tema mais importante que o tema da desigualdade social.
O que precisamos é ver a outra metade desta relação. Quem são e de onde vêem os “pistolões”, que, além de poder e dinheiro em funções públicas, recebem o privilégio de promover a “serventes” a abundante mão-de-obra desqualificada, podendo dispensá-la arbitrariamente? E quem são e de onde vêem estes “serventes”, cujo destino incerto pode ser manipulado pelos empregos que os “pistolões” podem dar e retirar a qualquer momento? Em resumo: o privilégio dos “empregos públicos” que parece estar ao alcance de todos através do contato pessoal, se distribui por classe social. O que então divide a “classe dos pistolões” daquela dos “serventes”?: o conhecimento im-pessoal, e não o conhecimento pessoal, como pensamos em nosso dia a dia.
Conhecimento im-pessoal é tudo aquilo que nos dá acesso a bens e recursos escassos sem que, necessariamente, tenhamos que conhecer esta ou aquela pessoa específica. São os diplomas e todo tipo de qualificação escolar e universitária que permitem um desconhecido qualquer, em curto intervalo de tempo, ocupar cargos públicos, podendo manipular o destino e a vida dos outros que não possuem este conhecimento, e cuja função lhe é subordinada. Um funcionário público qualificado e concursado tem o privilégio de não só ocupar um cargo que lhe garante segurança econômica de longo prazo, e assim de não ser refém deste ou daquele prefeito, desta ou daquela secretária de Educação; ele têm, também, o privilégio de subordinar, em todos os sentidos, aqueles “serventes” que, por não terem qualificação, podem ser encontrados em todas as esquinas e vilas, e assim dispensados como qualquer coisa que se desvaloriza exatamente por sua oferta abundante. O “pistolão” só possui poder pessoal porque, em sua relação de classe com o “servente”, o poder im-pessoal da (des) qualificação técnica/escolar faz deste último peça descartável e substituível nas mãos do primeiro, a maneira de algo que é produzido para sobrar.
A meia-verdade de que o “quem indica” pode nos abrir todas as portas do privilégio não admite que algumas pessoas nascem e crescem com o futuro apontado para a posição sobrante de “servente” e outras poucas para a de “pistolão”. E esta meia-verdade é um engano que serve para garantir a aceitação do privilégio, pois ao “esquecer” que os “indicados” vivem uma vida pendendo para a subordinação em relação a “quem indica” faz parecer que é a sorte de conhecer “alguém lá dentro” (e quem ousaria questionar a sorte?) que decide o destino de uns e outros.

7 comentários:

Marcos disse...
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Marcos disse...

O texto do Roberto nos faz refletir criticamente sobre os efeitos deletérios que o pensamento social brasileiro pautado no iberismo traz para análises sobre um país repleto de tamanha complexidade como o Brasil - complexidade essa que amplio à cidade de Campos - a despeito do que muitos intelectuais e o senso comum pensam sobre a realidade campista. Ainda sobre o texto, ele me fez lembra de uma palestra no mestrado de Sociologia Política sobre mídia e violência. Em certo momento, o professor lembrou de uma chacina ocorrida na Baixada Fluminense em 2005. Disse que um grande jornal carioca - o segundo do Brasil em vendagem - sabia desde a primeira morte e só foi depois que a quarta morte foi confirmada. Como explicação, disse que isto se pela por causa da lógica do espetáculo da mídia. Tomando de empréstimo a expressão utilizada pelo Roberto, isto é uma meia verdade. O que fica por traz desde processo, de maneira impessoal, é uma processo de não reconhecimento daquelas pessoas pobres, desquilificadas, negras, num mesmo patamar dos seus leitores, estes oriundos em grande parte das classes média e alta. Por essas "meia-verdades", espaços como este são tão fundamentais.

Marcos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gustavo disse...

Primeiro, parabéns a todos pela iniciativa do Blog, não sou um "profissional da área", mas como cidadão que nasceu nesta terrinha sofrível, é gratificante ver que ainda é possível (mesmo que a longo, longo, loooongo prazo) um suspiro de vida inteligente.

Quanto ao texto, mostra aquilo que todos ja sabem: O sonho do campista é ser funcionário público, porque o sonho do brasileiro médio é ser servidor público. O interessante, é que os motivos mudaram. Antigamente, o motivo era o orgulho, o status que gerava dizer "sou funcionário público", hoje, se tornou uma necessidade economica.
Porém, acho que não é só economica, muito disso é medo e preguiça. Como vivemos uma era de mercado globalizado, a instabilidade do setor privado, fez com que o brasileiro escolhesse o caminho mais fácil. Ao invés da qualificação e da busca por sempre aprimorar para se manter vivo no mercado, a escolha foi estudar para algum concurso público.

Errado? Não sei, afinal cada um tem sua cabeça, minha opnião é que com esse pensamento como solução dos problemas, nunca surgirá no Brasil uma "Apple", ou um "Tata Group", sempre viveremos apoiados no Estado, e assim como EUA e Europa nos dominam economicamente hoje, os chamados "Emergentes" nos dominarão no futuro.

Realmente Vargas tinha razão quando disse "Campos espelho do Brasil". A impressão que tenho é que tudo de pior no Brasil se reflete em escala dobrada nesta terra. O sonho de ser funcionário publico em Campos, é o sonho de se dar bem, de ganhar uma grana sem trabalhar, de ser amigo do "quem indica" e garantir o "Pistolão". E o mais interessante, é o orgulho que alguns destes sentem em declarar isto, em dizer que "Fulaninho é meu amigo", "cola comigo que você vai se dar bem". No outro lado da mesa, o "quem indica" sabe muito bem disso, e sente orgulho de poder utilizar de sua força.

Enfim, talvez se a sociedade campista passar por alguma crise grave, possa amadurecer e acabar com isso, quem sabe não está para começar uma.

Sds

Gustavo

Unknown disse...

Meus parabéns pelo blog. Tomei conhecimento deste atraves do blog do Roberto Moraes. Como habitualmente visito blogs politicos (nacional) e recentemente blogs de campistas, tomei conhecimento deste. Hoje Campos se constitui como uma referencia. Infelizmente temos os desastres na politica. Mas temos tambem estes intelctuais, presentes neste blog, mas que atuam na Universidade. A publicidade desta intelectualidade é uma riqueza que Campos desconhece. Campos se orgulha por ser um polo, uma referncia nacional. O petróleo, esta riqueza mineral, se constitui numa catapulta para a projeçao do Município. Embarcados nesta onda, podemos nos constituir em um outro polo. Conheço e admiro o pensamento de grande parte dos que assinam este blog. Bachareis, mestres ou doutorandos, todos se constituem, entretanto, referencias em sua reflexão. Ousaram ir além da Academia. O povo se move em torno de suas elites. Uma elite intelectual poderá atuar na mentalidade deste povo. Meus parabéns.

Manoel Caetano disse...

Caro Roberto

Sua análise me parece correta, no entanto, só em parte.

No que tange aos "serventes" suas considerações foram precisas, porém, no que diz respeito aos "pistolões" acredito que cometera uma grave injustiça.

Para clarear permita-me reproduzir uma parte de seu texto. Você afirma:

"São os diplomas e todo tipo de qualificação escolar e universitária que permitem um desconhecido qualquer, em curto intervalo de tempo, ocupar cargos públicos, podendo manipular o destino e a vida dos outros que não possuem este conhecimento, e cuja função lhe é subordinada."

Diz ainda:

"Um funcionário público qualificado e concursado tem o privilégio de (...) subordinar, em todos os sentidos, aqueles “serventes”"

Portanto, me parece que, de acordo com sua análise, os "pistolões" seriam os servidores concursados.

É neste ponto que acredito que cometera um grave erro. Na verdade, existem dois grupos de servidores não concursados: os "serventes" que você define bem, e os chamados DAS, ou seja, cargos de confiança nomeados pelo Prefeito para ocupar posições estratégicas de comando nos orgãos, secretárias, departamentos etc.

Estes sim são os verdadeiros "pistolões". O servidor concursado fica, na verdade, achatado e neutralizado entre os DAS e os ASG.

Como exemplo posso citar o sistema organizacional da Secretaria de Educação de Campos. O comando de toda a rede está centralizado na Secretária de Educação, com seus gerentes e respectivas equipes de trabalho (todos nomeados). Já, nas escolas da rede, tanto os ASG (auxiliares de serviços gerais) quanto os DAS (Diretor, Vice-diretor e Secretário) são contratados, sem concurso, sendo os últimos nomeados. Por sua vez, professores, orientadores pedagógicos, auxiliares de secretaria e animadores culturais, estes sim, são concursados.

Neste exemplo onde estão os "serventes" e onde estão os "pistolões"?

Fica evidente que os concursados não possuem a prerrogativa de serem "pistolões". E não possuem por uma razão muito simples, como você mesmo disse, seus empregos não dependem de prefeitos e secretários, portanto, suas ações não se norteiam, pelo menos em tese, por interesses políticos mesquinhos.

Portanto, é preciso esclarecer que tanto os "serventes" quanto os "pistolões", pelo menos aqui em Campos, são, respectivamente, contratados e nomeados. Os concursados, infelizmente, tem pouca ou nenhuma participação nessas relações de poder.

Um abraço

Anônimo disse...

A melhor e mais corajosa análise política da atual cojuntura campista foi feita por Pullo Xavier Saldanha Marinho, no blog caidoemcampos.blogspot.com