quinta-feira, 17 de abril de 2008

Crise: Por que a cana não amarga?

Por Fabrício Monteiro Neves (Bill)*

Vejo de longe e pela movimentação do blog que há uma crise político-institucional em Campos. Quando aí estive pesquisei um pouco sobre a história da indústria da cana-de-açúcar na planície e soube, por Gilberto Freyre, que tal cultura aí se manifestou de maneira diferente daquela do resto do país, especialmente da de Pernambuco. Em Campos há uma grande planície e um grande rio e já se sabe há muito, uma grande bacia de petróleo... Estas características implicam formas de organização social variadas, mas em Campos elas acomodaram as possibilidades históricas sob limitadas formas políticas e econômicas. Lembro-me de muitos acontecimentos que podem significar acomodação. A indústria canavieira campista foi uma das últimas a substituírem arcaicas geringonças por maquinário moderno, já usados em outras partes do país, o que fez com que perdesse competitividade em diversos momentos da história. Tal indústria também se favoreceu sobremaneira de condições políticas federais, manifestadas nos programas pró ou contra a indústria canavieira, estando à mercê sempre de incentivos governamentais e perdão de dívidas, muitas vezes contraídas pela falta de austeridade e pela manutenção sempre dispendiosa de uma vida aristocrática dada ao esbanjamento (soube de diversas viagens à Europa e festas grandiosas nos períodos de bonança). O uso do trabalho escravo parece também ser uma chaga que perpassa o tempo e mostra uma afinidade com tal cultura. Ainda hoje é denunciada esta modalidade de exploração bárbara da força de trabalho, que inclui crianças com jornadas de trabalho comparáveis a do século XVIII. Até a Igreja Católica campista se acomodou, quando permaneceu estática em relação às reformas levadas a cabo pelo papa João XXIII na década de 50. E agora a indústria do petróleo... como se não bastasse a acomodação em torno de um grande rio, em torno de uma cultura canavieira estática, em torno de formas fáceis de produção... Enfim, formas que criam toda uma atmosfera contrária ao empreendimento e à iniciativa individual, alicerces da democracia moderna. Hordas inteiras refém de aristocracias políticas e ao sabor do que vem de cima. Uma “sociedade civil” letárgica e incapaz de escapar às migalhas, com pequenas chances esporádicas, que aparecem quando estas formas se afrouxam: foi assim na crise dos financiamentos à cana. Parece o pesadelo político elevado à enésima potência, manifesto em uma forma simples: muito dinheiro + muito estado = acomodação.

* Fabrício Monteiro Neves é sociólogo, graduado na UENF, e doutorando em sociologia na Universisade federal do Rio Grande do Sul

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