domingo, 20 de abril de 2008

Entre lepras e tumores

Momentos críticos como se presencia em Campos tendem a nos atrair para as particularidades. O inusitado, o extraordinário. Entretanto, há a necessidade de se direcionar nossas análises para outros campos que não somente a cidade. Obviamente, Campos possui suas especificidades, aquilo que a faz ser Campos e não qualquer outro município. Mas essas características não possuem a capacidade de explicar tudo. Pois, Campos compartilha outros fatores que não são exclusivos.

A começar pelas mudanças institucionais pelas quais passam todos os municípios brasileiros, em maior ou menor grau. Em outro texto publicado aqui nesse espaço chamei a atenção para a ampliação dos mecanismos de controles democráticos. Seja pela interiorização das instituições, ou mesmo pelo avanço da tecnologia à disposição dos responsáveis pelo controle.

Semanas atrás outros 17 municípios, principalmente, do Estado de Minas Gerais também passaram pelo mesmo tratamento. A Polícia Federal privou a liberdade de dúzias de prefeitos, secretários e empresários que se especializaram no desvio dos recursos oriundos do Fundo de Participação Municipal. E mais: os detidos cobrem quase todo o espectro partidário (Dem, 5; PTB, PR, PSDB, PT, 2 cada; PDT, PSC e PTdoB com um cada).

O que estamos chamando de crise pode ser apenas um espasmo. A hanseníase que Arenari expôs pode ser apenas uma queda de cabelo (ou de prefeitos, como preferirem) provocada pela quimioterapia institucional. Faz parte do tratamento contra câncer que é o desvio de dinheiro público. Mas não configura uma crise. Crise mesmo esses municípios já viviam, mas era silenciosa, como um tumor que se alastra vagarosamente pelo paciente. O fato de ter dado publicidade não configura a crise, mas apenas seu reconhecimento.

Repito: o Brasil está em processo de mudança e amadurecimento institucional. Observaremos por um longo tempo casos como o de Campos. E posso dizer com clareza que hoje estamos melhores do que ontem!

Vitor Peixoto

10 comentários:

Brand Arenari disse...

Caro Vitor, talvez eu nao tenha sido bastante claro. Em nenhum momento quiz dizer que este último evento seja a hanseníase, para mim este é apenas um sintoma, de um mal maior. A hanseníase é o longo processo histórico que campos enfrenta.

VP disse...

Brand,

Usei seu exmplo de hanseniase apenas como ilustração. Para mim vc foi claro, mas para o Paulo Sergio, parece que não. Ou eu ou ele não entendemos!
Ou vc concorda com o argumento da "singularidade histórica de Campos" como fator causal?

Abraços,

Manoel Caetano disse...

Caro Vítor, de um modo geral, concordo com sua argumentação. Também acho que os avanços na tecnologia da informação e nos instrumentos de controle institucional são pontos positivos neste contexto.

Porém, sua última frase me preocupa um pouco. Ela pode sugerir uma idéia positivista de progressão histórica muito perigosa que, entre outras coisas, pode levar ao comodismo. É preciso que fique claro que o fato de estarmos melhor hoje do que ontem não significa, necessariamente, que amanhã estaremos melhor do que hoje.

Por fim, gostaria de deixar claro que não acredito que você pense desse jeito. Fiz a observação pensando em possíveis interpretações equivocadas que poderiam ser suscitadas pela frase.

Um abraço

VP disse...

Manoel, muito obrigado pelo alerta. Vc tem razão, um desavisado pode imaginar que eu defendo a progressão histórica natural.

Em realidade, escrevi com referência ao pensamento de que o "mundo acabou". De que "tudo foi para os ares". Que a "coisa não tem mais jeito". Muito antes pelo contrário, esse é o recomeço! É o reconhecimento de que há a doença institucional que precisa ser tratada.
E isso não tem nada a ver com o pensamento do Brand, foi somente uma ilustração.
O certo é que os que assumirem a administração municipal terão de modernizar suas práticas, não está mais tão fácil ser corrupto. Até para isso exige-se competência. A probabilidade de se ficar impune está lentamente diminuindo.

Tenho divergencias também com a concepção de que Campos se explica por si só. Esse argumento goitacá é que periga cair no atavismo histórico chulo. Acho esse pensamento uma mesquinhez intelectual que não se sustenta diante de um sopro de velho com efisema pulmonar. Sinto que não se pressupõem os efeitos externos. Que Campos não está sozinho no planeta.

Enfim, mais uma vez obrigado. E aguardo ansiosamente o texto que prometera.

Grande abraço,

Brand Arenari disse...

Vitor, entendi a sua provocacao, vc quer ver o circo pegar fogo. Como muitos aqui me conhecem, inclusive o Paulo, sabem que sou dado a Teoria Social, sou seduzido por questões e respostas grandiosas, não sou afeito a respostas fragmentadas e pontuais, ou mesmo regionais. Dois pontos na colocação do Paulo serão aqui respondidos. O primeiro se refere a idéia de Campos como “síntese” do Brasil ser um lugar comum, e a segunda e principal, a idéia da singularidade como fator causal como vc perguntou.

A melhor metáfora não é síntese, mas sim, poderíamos dizer que através de Campos podemos ver boa parte da história do Brasil com lentes de aumento, e em conseqüência seus impactos com a mesma lente. Em Campos não tem tudo, mas quase tudo, infelizmente, pq parece que o melhor do Brasil não chegou aqui ainda. Não acho que essa afirmação seja lugar comum, porque não vejo isso ser dito por aí. As análises giram entorno apenas de julgamentos morais, e em textos científicos ainda não vi uma comparação como essa.

Sobre a questão da singularidade como causalidade, o problema aí está em repetir o equívoco da sociologia brasileira. A radicalização da vertente culturalista que impregnou quase todas as interpretações sobre o Brasil, nos faz pensar que o Brasil é um outro planeta dentro do planeta Terra, as regras que valem para o resto do mundo não valem para nós. Não podemos repetir esse equívoco, crendo que Campos é um outro planeta dentro do Brasil. Não quero dizer que singularidades não tenham importância, mas as coloco aqui em segundo plano.
Acho que esse é o começo da resposta. . .

Paulo Sérgio Ribeiro disse...

Ao falar em "singualidade" não pretendi defender uma análise que imputasse à situação política do município fatores que se encerrassem única e exclusivamente em sua circunscrição político-administrativa, pois por "história recente" buscava correlacionar os eventos aqui tratados com tendências perceptíveis em escala nacional. Nunca pensei "Campos" em si mesma. Mas, acolho às críticas de Brand e Vitor quanto ao uso de expressões correntes na tradição sociólogica brasileira cujos significados são hoje objeto de dúvida e revisão; daí, talvez eu ter dado margem a tais equívocos.

Paulo Sérgio Ribeiro disse...

Já ia esquecendo de dizer que nunca duvidei do equívoco ressaltado por Vítor, sob a noção de "atavismo histórico". Não é disso que tratei ao ter falado em "singularidade", senão a necessidade de operarmos uma tentativa de pensar a especificidade dos grupos e classes sociais em seus conflitos no Norte Fluminense "histórico", que tem em Campos seu pólo tradicional, e de como esses conflitos estão inseridos em um plano que não é apenas "local", mas que pode dizer muito sobre a conformação mesma do arranjo institucional entre as macrorregiões e microrregiões brasileiras.
Para Brand, tenho a dizer que a Teoria Social é sempre bem-vinda, embora cada vez mais cerceada nos programas de pós-graduação do país.

Roberto Torres disse...

Pois é, fiquei muito entusiasmado com o ponto em que chegou o debate. Afinal, o que é Campos? Crise politica de campos? Classes sociais de campos? O que poderia ter uma circunscricao efetiva, sociologicamente relevante, nos limites administrativos de campos? Uma das maiores ilusoes do senso comum é o que Pierre Bourdieu chama de efeito de lugar. A crenca de que as determinacoes que conformam uma coletividade local estao ali, nesta coletividade.

Paulo Sérgio Ribeiro disse...

Pois é Roberto. Essas questões apenas são válidas se compreendidas para além da tentação do profetismo, que exige do sociólogo responder prontamente a todos os apelos imediatistas (e muitas vezes bairristas) sobre as instituições brasileiras em suas particularidades locais/regionais.

Roberto Torres disse...

Alias Paulo,a funçao do intelectual público,que o sociologo pode assumir, perde todo o sentido se a ansia por respostas e soluçoes imediatas ditar sua atividade. A função do intelectual publico, sociologo ou nao, é romper com o "fast think" e com a busca, no fundo mística, por suluções sobre problemas que se julga conhecer o suficiente. Cabe a nós enfrentar esse narcisismo infantil, ao qual e do qual a midia se alimenta, que se resume no seguinte: nao tematize problemas sem ter a soluçao! Nosso papel é o contrário: problematizar as soluçoes na medida em que elas ignoram o problema. O efeito de lugar e uma forte coordenada do narcisismo uma vez que nos promete que os problemas e suas soluçoes estao bem pertinho.