Durante a década de 1930, em São Paulo, as Ciências Sociais se apresentam como uma espécie de "prêmio de consolação" para as elites paulistas preocupadas em incluírem-se, desesperadamente, em uma determinada forma de modernidade com seus respectivos valores, regras, posturas, etc. Exatamente em 1933, a "Escola de Sociologia e Política de São Paulo", que reuniu diferentes quadros das Ciências Sociais, que se tornariam depois vultos incontestáveis do campo, objetivava a formação de quadros do mais alto quilate visando, dentre outras ambições, às intervenções civilizatórias nesta que é das maiores cidades da América Latina. Este foi o desafio dos pioneiros das Ciências Sociais brasileiras.
As Ciências Sociais em Campos dos Goytacazes surgem em diferentes condições, mas não renegam seu caráter modernizante e crítico. No entanto, há uma diferença importante entre a empreitada assumida pela ciência social "paulista" e o desafio que propomos em relação a Campos. A reflexão sociológica de São Paulo ajudou a produzir uma visão segundo a qual os problemas e mazelas vividos pelo Brasil, no início do século passado, seriam resolvidos tão logo a sociedade moderna se realizasse entre nós. Assim, por exemplo, o racismo, o autoritarismo político e a "herança escravocrata", em geral, seriam o passado, o Brasil tradicional, a ser superado pela genuína modernização. É como se todos os aspectos indesejáveis no curso do processo de modernização pelo qual passava o País, desde o início do século XIX, não fizessem, verdadeiramente, parte desse processo.
Esta Ciência Social, embora contasse com intelectuais críticos e brilhantes como Florestan Fernandes, não evitou contribuir para uma visão acrítica da modernidade e do Brasil como um todo. As contradições sociais foram percebidas como contradições entre tradição e modernidade. O Estado de São Paulo foi visto como uma espécie de "Nova Inglaterra" tropical destinada, para o bem da nação, a criar sua hegemonia sobre o Brasil pré-moderno do Norte e do Nordeste. O auge dessa visão de mundo foi a possibilidade de pensar a sociedade como "moderna" ou, pelo menos, desejosa da modernidade, e o Estado como "pré-moderno", dominado e corrompido por vícios que herdamos de nossos colonizadores portugueses. Assim, nosso imaginário social passa a contar com um bode expiatório para que todos "projetem" seus maiores incômodos e frustrações na vida coletiva. Em resumo: cria-se a possibilidade de que o Estado e os políticos sejam os culpados por tudo de ruim que acontece na sociedade.
No caso das Ciências Sociais em Campos, propomos o desafio de ir além desta visão unilateral. O convite é para que pensemos Campos como um contexto que expressa contradições e problemas típicos de tudo que é contemporâneo e parte indissociável de nossa modernização. Nossa cidade não é ilha com fatores internos capazes de explicar o que nela acontece. Somos o reflexo, às vezes em teor mais nítido, de todas as influências que a modernização capitalista produziu no Brasil, sobretudo em combinação com a "herança escravocrata", tão forte aqui.
Todos nós que compomos este projeto "Outros Campos", assim batizado por Fabrício Maciel, fomos contemporâneos na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) onde, já há alguns anos, debatemos em caráter formal ou informal os embaraços e vantagens de sermos um grupo social que ainda figura como "corpo estranho" na vida social campista. Muitos de nós nasceramos aqui ou na região, mas podemos entender que todos somos descendentes de uma extensa "Campos histórica", se assim quisermos, dado que identificamos práticas políticas e culturais similares no Norte e Noroeste fluminense.
Destes debates, que nem sempre eram decorrentes de qualquer tipo de abordagem de pesquisa sistemática, mas sim da aplicação do instrumental sociológico ao nosso cotidiano, surgiram questões, proposições e análises que diferiam e ainda diferem do que é elaborado pelos outros produtores de bens simbólicos atuantes na região. Parece-nos que o atual momento demanda análises preocupadas em "organizar a cultura", conferir a esta sentido em uma significação compreensiva. Este esforço visa a trazer temas e questões que possam pautar um debate mais profundo sobre os nossos problemas sociais, políticos, econômicos e culturais. Não queremos propor nenhuma política pública, embora possamos eventualmente falar sobre elas. Não queremos "apontar soluções" e sim trazer ao debate os problemas que ficam na sombra quando a opinião pública é "novelizada", quando mocinhos e vilões são apontados como explicação última para tudo.
Cabe, então, sumarizar nosso compromisso e os nossos pontos de atenção neste inédito esforço objetivado no projeto/blog "Outros Campos". Nosso objetivo é auxiliar, assumindo o papel já tradicional das Ciências Sociais brasileiras do "intelectual público", no processo de autocompreensão de Campos. Neste espaço surgirão, além de textos com alguma periodicidade dos cinco colaboradores/coordenadores principais, também contribuições de outros colegas das Ciências Sociais sobre a região, incluindo aí entrevistas. Todavia, como já foi dito, não assumimos qualquer vocação regionalista. Teremos outras análises sobre cultura, política, economia, religião, sociedade, enfim, em outros níveis de análise para além do local. Traremos exposições de colegas que constituem nossa rede profissional ou de amizades construídas nos arredores do processo de pesquisa e sedimentadas no decorrer de nossa formação.
Atenciosamente os colaboradores,
Brand Arenari – Sociólogo e doutorando em sociologia, HU-Berlin
Fabrício Maciel – Fabrício Maciel - mestre em políticas sociais pela UENF e pesquisador do CEPEDES/UFJF
George Gomes Coutinho – sociólogo e doutorando em sociologia política pela UENF
Roberto Dutra Torres Júnior – Sociólogo e Mestre em Políticas Sociais pela UENF
Vitor Peixoto - Cientista Político mestre e doutorando pelo IUPERJ, visiting scholar UIUC
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2 comentários:
Queridos amigos. Li algumas postagens e devo dizer que não me surpreende a clareza, a precisão e a profundidade de suas análises, pois já tive inúmeras provas da competencia de vcs . E devo confessar tb que me senti um pouco orgulhosa por ter convivido com "mentes" que considero tão brilhantes. Mas isso não é um elogio vazio que cai no lugar comum dos bajuladores de platão. Na realidade gostaria de deixar registrado aqui, a minha admiração não só pela capacidade acadêmica de vcs, mas de ver em vcs uma grande generosidade e sensibilidade para expor os temas com grande ampliação e doando aos leitores todo os esforços de pesquisa e estudo que está contido nestas análises. Um grande abraço
Prezado Hamilton,
Quero parabenizá-lo pelo acervo de sua autoria ao qual tive acesso. Estive no Rio de Janeiro por ocasião de algumas reuniões nacionais do movimento secundarista e naqueles momentos (final dos anos 70 e incio dos anos 80)foi muito prazerosa a sua companhia militante.
Um grande abraço,
Paulo Maciel
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